A menina pensou em trocar a coleção de conchinhas, mas acabou percebendo que o valor sentimental pesa mais do que o material.
Aos 7 anos tinha algumas urgências, entre elas ganhar dinheiro para comprar uma máquina de escrever. Se fosse esperar juntar a mesada, não ia conseguir tão cedo. Não que tivesse feito a conta, até porque não tinha ideia do valor do sonho. Teria que encontrar uma forma de conseguir vender algo de valioso – o quê?
Pensou na coleção de conchas. A Cátia, vizinha da casa ao lado, um ano mais velha, era louca por aquelas conchas e talvez conseguisse comprar. Contou o plano secreto para a mãe, pedindo sigilo. O pai não poderia saber. As conchas eram uma colheita dos dois – pai e filha ficavam horas separando as melhores, evitavam carregar as quebradas, e teve até a visita à casa do velhinho vendedor de conchas imensas e esplêndidas. Ela ganhou três conchas gigantes que pareciam coisa dos mares muito profundos. Um luxo.
Era esse tesouro que a menina estava disposta a vender.
Tudo certo, ou quase certo, a Cátia tinha aceitado, a mãe dela já estava com o dinheiro. Faltava apenas coragem para o ato final – entregar suas preciosidades.
Enquanto isso, em um domingo de tarde, quando voltavam da casa da avó, de carro, o pai falou:
– Quer dizer que você quer vender suas conchinhas?
O pai adorava falar no diminutivo. E aqui o diminutivo tinha um sentido ainda mais significativo, capaz de destruir todo e qualquer esboço de coragem para a entrega fatal. A menina odiou a mãe por ter contado o segredo – afinal, ela tinha pedido sigilo. Resolveu negar, mas se embolou na negativa. Não tinha muito traquejo com a mentira.
– Er, hum, não, era só, nem…
Que sentido tinha a frase ninguém sabia.
Depois disso houve silêncio sobre o assunto.
A menina decidiu que jamais iria se desfazer da coleção. O “tesouro” era precioso não só porque tinha as conchas gigantes e especiais, mas, ela bem sabia, era o resultado de uma colheita a dois: pai e filha, esperando do mar o que de melhor ele tinha a oferecer.
Isso era muito caro.
A máquina de escrever ficou para um dia. E um dia não era nunca.