A proteção dos pais pode não ser compreendida em um primeiro momento. Por trás da generosidade de um estranho, pode haver um grande perigo.
Claudia Nina | 6 de Setembro de 2020 às 10:00
Tem presente mais desejado do que aquele que se é obrigado a devolver? Aconteceu com a bicicleta. Não se sabe por que o pai demorou tanto para que a encantada brotasse em um aniversário depois de anos a fio de insistência. O problema não era o dinheiro, mas talvez o tempo que teria de ser desperdiçado para levar a filha para andar – tempo roubado da praia, de que o pai gostava tanto.
Como a menina não visse progresso nas negociações, resolveu tentar outros métodos, como o vizinho de porta. Ela tinha 7 anos, ele deveria já ter 28. Todas as manhãs, antes do colégio, ficavam horas conversando na área em frente ao apartamento dela. A mãe dele tinha vários gatos. O apartamento da família era azul. Uma casa toda azul!
O dela era um bege chatíssimo.
Conversa vai, conversa vem, a menina decidiu falar com o vizinho sobre a falta imensa que fazia na sua vida uma bicicleta. Ela teve uma quando era bem pequena, de rodinhas, mas, desde que as pernas cresceram, a necessidade de uma bicicleta de verdade tornou-se urgente. Só que o pai não entendia isso, porque urgente eram o trabalho, a saúde, a escola e depois a praia. Comprar uma bicicleta para a menina estava muito abaixo na lista de prioridades.
Talvez ele pudesse conversar com seu pai e convencê-lo a comprar logo o presente. Só que o inesperado aconteceu.
Em uma manhã, lá estava o vizinho batendo na porta da menina com uma bicicleta novinha – não era usada, era novinha!
A menina aceitou depois de a mãe não saber o que dizer. Andou ali mesmo no prédio, a pequena liberdade. Teriam que esperar o fim de semana para ir a uma área mais ampla e viver a liberdade enfim….
Mas…
Tem sempre um “mas” na vida de uma menina que deseja desesperadamente uma bicicleta… Quando o pai chegou do trabalho, não gostou da ação generosa do vizinho. E tratou de mandar que a filha devolvesse o presente.
– Se eu quisesse que ela tivesse uma bicicleta eu mesmo teria comprado – foi o argumento ríspido e direto.
Amuada, ela devolveu.
Por algum motivo que ela não conseguia entender, as conversas matinais com o vizinho foram suspensas – para não dizer proibidas.
O tempo passou e chegou finalmente o dia em que, no aniversário de 8 anos, ela ganhou o presente encantado.
Depois que o tempo passou mais ainda, ela ouviu uma conversa da mãe com a vizinha do prédio ao lado. Pelo que entendeu, descobriram na história do vizinho de porta um envolvimento nada inocente com uma criança. Era um passado do qual ninguém falava nem os gatos daquela casa podiam suspeitar.
A menina então juntou as palavras e fez a frase completa.