Adulta, ela tenta entender a proibição que a mãe lhe fez aos cinco anos, sem lhe dar nenhuma explicação, numa visita ao bisavô.
Não tinha mais do que 5 anos – se fosse mais velha, seria capaz de se lembrar de fatos que a memória ainda em formação impediu. E como ela queria ter acesso àquele pedaço de acontecimento interditado pelo esquecimento…. Se pudesse recordar-se de mais alguma peça daquele mosaico incompleto poderia ter mais fragmentos de uma imagem impossível: a figura do bisavô italiano.
A menina foi escalada para uma visita de família. Coisa bem rápida na casa do bisavô – quem estava com ele? Seria a bisavó? Ela não se lembrava de mais nada. A única imagem acessível era ele, a menina, a mãe e a tia sentados em uma espécie de ciranda, sendo que a menina ficou localizada exatamente no extremo oposto ao velho – ficaram a distância, mas cara a cara.
A posição ingrata atrapalharia a menina a negar para fazer cumprir o que a mãe havia lhe dito antes de saírem de casa: não aceite nada nem para comer nem beber. Aos 5 anos (ou menos) ela teria que desempenhar o árduo papel – dizer que não queria nada, mesmo que fossem salgadinhos inocentes ou refrigerante. Tinha tudo isso lá. A família recusou.
A menina recusou com dor no coração.
Ela deve ter feito mil vezes a pergunta – por que não posso comer nada? – mas não se lembra da resposta e ninguém nunca mais ousou tocar no assunto, nem ela. Talvez mãe e tia não se lembrassem nem da visita.
O que mais atordoou a menina ao longo dos anos foi que a proibição não foi clara nem teve argumentos sólidos. A angústia daquele momento em que o velhinho oferecia as coisas e todos negavam nunca foi esquecida pela menina. Ela queria muito saber mais sobre aquele homem que viera de tão longe, buscar respostas, onde quer que elas estivessem. Remontar o mosaico que era a figura do bisavô, de quem só sabia o nome, o país de origem e a cor dos olhos. Já era um começo.