É preciso sensibilidade para entender que o brilho no palco para a criança nem sempre corresponde à expectativa da família.
O planejamento das férias foi adiado porque a menina tinha uma apresentação de teatro na escola: seria o porco. A viagem era um dia antes, mas a menina não poderia se ausentar da peça. Então, trocaram a passagem comprada com muita antecedência para que a família inteira pudesse aplaudir. As semanas que antecederam foram dedicadas ao ensaio, e os assuntos só giravam em torno do porco.
A excitação era tamanha que os pais realmente esperavam uma atuação de impacto. A menina iria brilhar na frente dos amigos, o colégio em peso veria o porco mais triunfante da história. O tempo passou em conta-gotas, e a menina contou gota por gota. Nem dormiu na véspera. Ser um porco era mais importante do que viajar.
Depois de uma espera eterna, finalmente chegou o dia da apresentação.
Que alegria. Onde estava o nariz? Ah, rolou para debaixo da cama, a irmã menor achou. Ser um porco sem nariz de porco era o mesmo que não ser um porco.
Chegaram a tempo de a menina subir mais cedo para a coxia e se juntar ao grupo. Concentração total. Na plateia, a mãe ficou com a tarefa de fotografar, mas a irmã e o pai cravaram nos celulares para que nenhum momento da atuação fosse perdido. Ser um porco por uma noite era uma emoção divina.
A peça começou com um atraso de quase uma hora. Já estavam indóceis os pais com a expectativa adiada do triunfo da filha estrela. Até que finalmente os atores entraram. A história era algo meio sem pé nem cabeça, onde estaria a menina? A maioria dos atores já estava ali. Faltava o porco. Com certeza, ele entraria no momento mais importante, seria um porco grandioso.
Só que, quase chegando ao final da apresentação, a menina-porco surgiu no fundo do palco para uma fala em grupo – uma aparição relâmpago, não deu nem para ouvir a voz nem ver inteiro o figurino. Era um porco de lado, escondido, misturado com vários outros bichos dominantes e barulhentos.
A família esperou o momento do triunfo que não chegou.
Só que, para a menina, aquela apresentação mínima e acuada tinha sido um momento estelar – a mãe logo percebeu isso quando a filha desceu do palco para os cumprimentos. Sorria em êxtase. Tinha sido, enfim, um porco triunfante. Agora poderiam viajar de férias. A família, sem graça, custou a se orientar quanto ao que dizer. Até que a mãe abraçou e cumprimentou a menina pelo sucesso. Entendeu que a filha tinha uma noção diferente de palco. Uma ideia diferente de sucesso. Uma ideia diferente sobre ser feliz com a vida tal como ela se apresentava – no palco da vida.
Sim, ela era uma estrela.