Tentando escapar da confissão, que para ela não tinha lógica, a menina usa sua intuição para escapar do problema da forma mais simples.
Só percebeu que era uma expulsão muitos anos depois, quando resolveu se lembrar daquela infância perdida. Estudar em um colégio religioso nunca havia lhe trazido problema, além do tédio, até aquele dia. A turma do quinto ano foi chamada para fora de sala – ela aguardava com suspeita estas saídas.
De fato, não era coisa alegre. A turma tinha que assistir a uma missa e depois… se confessar. Confessar? A menina não tinha a menor ideia do que seria se confessar, sobretudo para uma pessoa que ela não conhecia e que não sabia nada dela. Como um homem desconhecido entenderia seus pecados tão mínimos?
Entrou na fila para a porta principal da capela da escola sem a atitude de reverência necessária. Enquanto isso, a maioria dos colegas parecia entender o momento solene e se resignava ao silêncio. Estaria ela tão atrasada assim, sendo incapaz de compreender que, no quinto ano, as crianças precisam querer se confessar?
Ela achava que seus segredos eram dela e só dela.
Partilhava com um diário e mais ninguém. Entrou em conflito ao saber que seria obrigada a falar de seus sentimentos com um padre em uma salinha que era o confessionário. Ficou apavorada.
Quis interromper ali o caminho à tortura. Mas como?
A fila andava e logo estariam todas as crianças dentro da capela – dali de dentro seria quase impossível fugir. Não sabia o que pensar.
Agiu por intuição, como sempre a intuição, um braço a mais, sua forma de ser inteligente no mundo. Então achou que deveria expressar sua angústia e começou a quebrar o silêncio com uma conversa sem fim. Sua voz ecoou até o primeiro da fila e, claro, chegou à professora que organizava o rebanho. Ela não gostou nada do pequeno reboliço que a menina causava, que perigo, logo poderia contaminar as outras crianças.
E foi então que aconteceu: a menina foi expulsa antes mesmo de entrar na capela.
A professora em fúria a pegou pelo braço e a tirou da fila.
– Está fora da atividade.
A menina não sabia como sentir aquela liberdade súbita.
Saiu da fila e ficou andando a esmo, indecisa.
Até que se lembrou que, naquela tarde, enquanto durasse a confissão dos colegas, ela teria o pátio do recreio só para ela.
Um espaço inteiro para novos futuros pecados mínimos.
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Escrevo esta coluna no Dia das Crianças. Costumo dizer que minha infância ainda “brinca de mim”. Tenho bastante viva a imagem da pessoa que eu fui há algumas décadas. E, se existe uma qualidade naquela menina que vou tentar preservar até o fim dos dias, é esta: a coragem de simplesmente ir.