A mulher diferente, separada, incomoda porque conta com um bem que as outras no grupo dos bem-casados não têm: a liberdade.
Estavam os casais bem-casados na mesa da festa de um outro casal bem-casado que comemorava bodas de alguma coisa. O protocolo de sempre. As conversas de sempre: planos de viagens em grupo, casais amigos planejando os mesmos roteiros, a noite avançando. Na mesa dos casais bem-casados havia uma mulher, uma única, que não era bem-casada – era bem separada.
Foi então que, no ambiente ao lado, uma outra mulher começou a dançar – sozinha. Sem marido, namorado ou namorada, ninguém. Só ela na pista de frente para a banda. Do lado de fora, espreitando o salão de dança, estava a mesa com os amigos bem-casados e também aquela com única separada do grupo.
A mulher solta e dançante incomodou uma das mulheres que a assistia. Esta, bem-casada, cismou que a tal estava “dando em cima” do marido da amiga. Não se sabe de onde ela tirou a certeza, mas virou verdade e pronto. O marido nem era dela, mas a suspeita tirou de dentro dela bichos ferozes, e a festa começou a acabar ali, especialmente depois que alguém da mesa soltou a afirmativa de que a moça que dançava tinha se separado há pouco.
Disse isso na frente da outra mulher, a única que não era bem-casada.
A mulher, que era uma espécie de líder do grupo das bem-casadas, ficou realmente tomada por uma cólera de dar medo. O comentário – “só podia mesmo ser separada” – ficou no ar, aprisionado dentro de um balão. Não dava para fingir que não existia.
A mulher bem-separada – única da mesa, destoante, portanto – pensou em iniciar uma conversa para estourar aquele balão, mas desistiu. Perda de tempo, como toda a conversa daquela noite, aliás. Não conseguiu levar para casa nenhuma frase que prestasse, nem mesmo um brigadeiro.
Chegou em casa e, sozinha, fez do tapete da sala uma pista de dança. Abriu um vinho e terminou sua festa ali.
Um nível de liberdade realmente invejável.
Ouça o episódio mais novo do podcast da Claudia Nina: O presente inesperado.