No último dia do ano, o garço Anderson descobre que a alegria de servir a si mesmo é bem maior do que a de servir outras pessoas.
Sabia que era o melhor funcionário daquele bar. O garçom mais ágil, mais prestativo, mas simpático. Bem jovem, dedicava-se ao trabalho diário que só terminava depois da meia-noite – isso quando não era temporada de férias, e o lugar fervia. Aí não tinha hora para sair.
Sempre o mesmo sorriso, a mesma cordialidade, uma leveza de existir. Fosse pelo prazer de servir ou pelo sentido de rigor e dedicação simplesmente, Anderson fazia da sua passagem pelo bar uma lembrança alegre – nem todos percebiam, claro, e as gorjetas eram raras. Mas o salário parecia bom, pelo menos era o que naquele momento ele esperava da vida. Talvez tivesse sonhos, ainda não tinha parado para pensar neles. Não dava tempo.
Aquele último dia do ano seria diferente.
O bar fecharia mais cedo. A oportunidade de estar em casa para atravessar o ano sozinho, em paz, sem o barulho da rua – a hora de servir a si mesmo. Vodca. A melhor que pôde comprar. Sentou-se em frente à janela da noite clara e aproveitou cada segundo do momento especial de servir seu próprio copo, de não precisar sorrir a não ser para a Lua, de esticar as pernas, o corpo descansado depois da semana inteira em pé, dormindo pouco.
Nunca tinha parado para pensar que a vida estava passando no serviço aos copos e pratos alheios. Era um servil. Estava sempre a postos para oferecer aos clientes os pedidos certos, pontuais, sorridentes. Naquele último dia do ano, a mesa virou. Ele percebeu que, embora fosse feliz de algum modo no trabalho diário e incansável, de pé por noites e noites, enchendo de bebida e comida a mesa dos outros, ele precisaria fazer algo para encher a sua própria. Tinha sonhos, ambições, algum desejo secreto? Não podia mais entregar de bandeja seus melhores anos, os de mais garra e mais saúde.
Pensou no que seria da sua vida dali para a frente, enquanto tomava a melhor vodca que pôde comprar. Economizou para isso. Comprou várias garrafas, e a noite pareceu durar 100 anos – bebeu cada segundo com devoção.
Perdeu a noção de quanto tempo morou naquela cadeira de frente para a janela aberta.
O dia seguinte era feriado e depois domingo, sua folga. Demoraria até precisar voltar a servir a mesa alheia. Mas agora que tinha descoberto o prazer de servir a si mesmo conseguiria retomar a vida de antes?
Descobriu o mandamento do ano que começava: movimento. Queria sair de onde estava, deixar de rodar ao redor dos eixos de sempre – as mesas do bar – e entender que poderia ter uma vida maior, com eixos maiores. Não queria deixar de servir – tinha alegria. Só que precisava encontrar uma forma de servir o copo dos outros sem deixar de encher o seu.
Na segunda-feira, para tristeza dos seus clientes, Anderson pediu demissão e deixou para trás anos de dedicação e sorriso. Faria falta. Mas o mundo era amplo. Mochila nas costas, partiu para descobrir uma maneira de ser feliz –servindo e servindo-se.