Ela conseguiu trazer um pouco de luz para sua vida, mas um dia percebeu que as sombras podem avançar mais rápido que a claridade e o desânimo vencer.
Redação | 16 de Junho de 2019 às 09:00
Era bem pequena para se dar conta do tamanho da herança. Mas já sentia na pele o quanto era difícil conviver com uma mãe desanimada. Se fizesse sol, o calor a desmontava. Ela corria para a cama, desfalecia e repetia:
– Estou desanimada.
A filha, ao pé da cama, achava que a culpa era dela e a não do sol quente. E rezava para que a chuva limpasse a quentura e logo o frio trouxesse a mãe de volta à rotina. Tentava arrumar as coisas para que a casa também não despencasse. Desde cedo aprendeu a ser ágil e prestativa – quando a mãe caía de desânimo, precisava saber como se alimentar, tomar banho, ir para a escola.
Aos poucos percebeu que o calor não era o único culpado pelo desânimo da mãe. Quando chovia ou esfriava demais, ela se enroscava no cobertor, amuada, e não tinha força para viver uma semana inteira. Nada a fazia cintilar. Nem mesmo o seu próprio aniversário ou o aniversário da filha. A situação só piorava.
Quando a menina fez 14 anos, ela não quis fritar os salgadinhos nem receber as amigas que a filha tinha convidado. Maldade ou desânimo?
No fim deu tudo deu certo, porque a moça já sabia se virar, e as visitas foram embora com a barriga cheia e até bolo teve.
O que ninguém podia imaginar era que não se pode viver sob o domínio do desânimo sem se deixar contaminar – o sentimento age por contágio. Um desanimado pode contaminar uma pessoa saudável do dia para a noite.
Então, a menina que um dia foi ágil, esperta, moça depois alegre e febril, foi aos poucos se transformando em uma mulher parada, água de poço. E carregou a maldita herança da qual não podia se livrar. E que ainda iria, por força maior, depositar nas artérias de quem mais viesse.