Ninguém em casa sabia que a menina tinha problemas de amizade na escola. Sua solidão no recreio ela guardava para ela.
Claro que era segredo. Ninguém em casa sabia que a menina tinha problemas de amizade na escola. Ela evitava levar esse “problemão”, primeiro porque a mãe estava sempre às voltas com o irmão menor. O pai era inacessível a seu modo e só chegava em casa de noite. A quem recorrer? Melhor silenciar. A menina tampouco saberia explicar o que ocorria. Quase nunca era convidada para festas de aniversário. A desculpa talvez fosse porque ela morava longe e não poderia ir. O que os colegas não tiveram interesse em saber era que o fusquinha do pai estaria a postos para cruzar a cidade se fosse o caso.
A verdade era que gostava de ficar sozinha. Nem sempre os outros entendiam seu modo de brincar. Ela gostava de fantasiar a partir da realidade. Por exemplo: tinha um monte de terra batida com árvores no meio do pátio. A menina passava o recreio inteiro ali como se tivesse sido a única sobrevivente de um naufrágio e aquele pequeno pedaço de terra fosse uma ilha. As meninas da idade dela não estavam interessadas nessa “aventura” – queriam falar de outros assuntos os quais ela não alcançava, não faziam parte do seu mundo de curiosidade.
Um dia, uma garota chegou perto dela e falou:
– Tá fazendo o que aí em cima?
– Oi, estou só aqui… lanchando.
A menina não teve coragem de dizer que brincava. Aos 12 anos não poderia mais brincar, pois não era o combinado – as pessoas deveriam agir todas do mesmo modo.
E, como já era quase uma adolescente e não mais uma criança, brincar no recreio era proibido.
Então mentiu.
Mas a mentira não serviu de nada. A garota saiu dizendo: “Que menina mais estranha. Onde já se viu subir no monte para lanchar?”
A frase foi entreouvida. Naquele instante, a menina “estranha” teve a certeza de que não importava o que fizesse na vida, que tentasse agradar a uns e outros, imitando um grupo. Para alguns, ela seria sempre “estranha”. E isso não era de todo mau.
Continuou onde estava. Um dia, quem sabe, encontraria alguém com quem dividir suas estranhezas…