Andavam apressadas, mãe e filha, porque já era tarde e atravessavam uma rua muito escura de frio e chuva fina. Ruas vazias deixam a noite mais escura, a
Claudia Nina | 25 de Agosto de 2019 às 09:00
Andavam apressadas, mãe e filha, porque já era tarde e atravessavam uma rua muito escura de frio e chuva fina. Ruas vazias deixam a noite mais escura, a mãe sabia disso. Que erro imperdoável a travessia àquela hora.
Seguiram em frente, uma abraçada à outra, cabeças pra baixo, só viam o chão e mais nada – fizeram uma linha imaginária e avançaram.
Mas.
No meio do caminho, no chão frio e escuro.
Naquela noite deserta.
Foram obrigadas a parar. Não porque alguém as interrompesse. Não porque fossem sobressaltadas por algum susto – nada disso.
A mãe parou de repente quando ouviu uma voz dizendo:
– Qualquer coisa.
Ela respondia a uma senhora que passava e lhe perguntava, provavelmente, do que ela precisava. Porque a moça, ela mesma não pedia nada. Não esmolava, não esticava os braços em busca de moedas. Apenas respondia:
– Qualquer coisa.
Depois de ouvir a frase, a mãe que passava parou. Virou os olhos para a moça sentada na calçada, que devia estar ainda mais gelada do que o chão sob seus pés bem calçados de bota.
Então, ela resolveu fazer alguma coisa – não iria conseguir chegar em casa sem que tirasse de si um pedaço, qualquer pedaço, para estender à moça.
Abriu a carteira, tirou uma nota que poderia ser de R$ 20.
Mas era de R$ 50.
A filha viu que era de R$ 50 e arregalou os olhos.
– Vai dar isso tudo? – perguntou.
– Vou – respondeu a mãe.
E pediu que a filha fosse até a moça da calçada e entregasse a nota.
Só depois percebeu que havia dado R$ 50 e não R$ 20.
Aquele tinha sido um dia tão raro, pensou.
– A felicidade precisa ser espalhada, como no jogo do anel, um passando para o outro… – filosofou a mãe.
Naquela noite escura, o anel, na falta de outro símbolo, tinha sido a nota de R$ 50.
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Esta história realmente surgiu no meio de uma noite escura quando eu e minha filha vimos duas moças sentadas na calçada gelada. Na verdade, elas já estavam ali havia um tempo. Foi preciso ouvir a voz dizendo “qualquer coisa” para que eu percebesse. A gente passa sempre correndo com a desculpa do frio, da chuva, da escuridão, guardando a nossa felicidade como em um cofre com medo de alguém roubar… Não é verdade?