Enquanto meu avião sobrevoava Nashville, a meca da música country, vejo uma onda de atividade. Nos últimos tempos, a capital do Tennessee tem vivido um
Enquanto meu avião sobrevoava Nashville, a meca da música country, vejo uma onda de atividade. Nos últimos tempos, a capital do Tennessee tem vivido um boom de crescimento.
Dezenas de guindastes de construção pontuam a área do centro da cidade, dando origem a mais de 2 bilhões de dólares em novos arranha-céus brilhantes e a uma silhueta urbana que está sempre mudando.
A revista Forbes considerou esta cidade de 660 mil habitantes uma das mais badaladas (da moda) dos Estados Unidos. O New York Times a chamou de cidade “It” (muito na moda) e a revista GQ rotulou-a de “cidade do momento” (ainda mais na moda).
Muito antes de ganhar esses rótulos, porém, Nashville era conhecida em todo o mundo como a “Cidade da Música” e a “Terra da Música Country”.
Gerações de lendários cantores/ compositores, de Hank Williams a Johnny Cash, Willie Nelson a Taylor Swift, fizeram fama e fortuna aqui. Com tudo o que está acontecendo, vim a Nashville para ver se a cidade ainda está em contato com suas raízes musicais tão aclamadas.
Ao pousarmos no Aeroporto Internacional de Nashville, recordo a letra de “Crazy Town”, sucesso do cantor country Jason Aldean sobre a cidade:
É uma cidade louca, cheia de sonhos de néon./ Todo mundo toca, todo mundo canta,/ Hollywood com sotaque anasalado./ Para ser uma estrela aqui você tem que ralar.
“Vim a Nashville descobrir se ela ainda é o coração da música country”
Será que essa letra ainda se aplica a Nashville? Minutos depois do desembarque, vejo um cantor country se apresentando em um dos seis palcos que o aeroporto montou para seu exclusivo programa Música no Terminal, a fim de entreter os viajantes.
Joe West, o cantor/compositor de 58 anos, faz show no aeroporto seis dias por semana e é muito popular. Os viajantes apressados param para ouvi-lo e os fãs locais dedicados vão até o aeroporto para assistir às suas apresentações.
Depois de um clássico melancólico de Hank Williams, ele abaixa seu tão amado e gasto violão e me confessa que “Crazy Town” poderia ter sido escrita sobre ele. Está em Nashville compondo, cantando, vendendo seus CDs e tocando esse violão há 20 anos.
Quando lhe digo que vim a Nashville para descobrir se ela ainda é o coração da música country, ele sorri. “Definitivamente! Por isso vim para cá. E estou muito feliz por viver meu sonho de tocar e ganhar a vida com minha música aqui.”
Um passante coloca uma nota de 5 dólares em seu pote de gorjetas enquanto West me explica que “Nashville vem crescendo a passos largos, mas a música está no DNA desta cidade”. Ele sugere que eu visite o Ryman Auditorium, acrescentando: “Isso nunca vai mudar.”
Estou com sorte
Larry Gatlin, um dos cantores/compositores de Nashville premiados com o Grammy, concordou em fazer um tour comigo pelos bastidores do Ryman, a casa de shows mais famosa de Nashville, com 127 anos de idade. Essa antiga igreja é mais conhecida por abrigar por longa data o programa de rádio de música country Grand Ole Opry.
Gatlin, um artista solo aclamado e também membro do trio The Gatlin Brothers, me encontra no saguão. Se o Ryman é a “Igreja Matriz da Música Country”, como é frequentemente chamado, então Gatlin é um dos seus sumos sacerdotes mais famosos. Suas canções de sucesso incluem “All The Gold in California”, “Broken Lady” e “Houston”.
Estamos sentados no balcão superior do teatro histórico, assistindo aos eletricistas prepararem o palco para um show mais tarde, e Gatlin me diz:
“‘Sagrado’ é uma boa palavra para descrever o Ryman.” Ele aponta para o palco a uns 15 metros de distância e acrescenta: “Quando você pensa nas estrelas que se apresentaram aqui, de Elvis Presley a Patsy Cline e Johnny Cash, não há outra palavra para isso.”
Até roqueiros como Neil Young descreveram o Ryman “como o paraíso da música country”.
Gatlin, que ainda se apresenta no Ryman, recorda a primeira vez que o visitou, em julho de 1971. “Eu tinha acabado de me mudar para Nashville, na esperança de vencer como cantor/ compositor. Nunca vou me esquecer de ver Dolly Parton e Roy Acuff nesse palco. Ainda me arrepio quando penso nisso.”
Ele diz que ficou emocionado quando o teatro foi salvo da demolição na década de 1990 e passou por uma reforma recente. “O fato de o Ryman ter sido preservado prova o quanto esta cidade se preocupa com suas raízes musicais.”
Durante nossa conversa, fãs curiosos começam a tirar fotos de Gatlin, e os mais corajosos se aproximam, possivelmente reunindo coragem para pedir um autógrafo. Ele sorri e os cumprimenta, mas me diz que vai tocar para mim uma música em que está trabalhando. “Comecei a compô-la há pouco tempo, mas acho que vai ajudar a responder a sua pergunta sobre quão importante é preservar o papel do Ryman e de Nashville na música country.”
Ele pega o violão, o afina e se põe a cantar.
Os turistas que se reuniram à nossa volta parecem tão emocionados quanto eu por esse improvisado mo- mento musical de Nashville. Gatlin pousa o violão e recebe aplausos calorosos. Esse minishow de um dos astros mais brilhantes da música country me faz recordar o que um escritor observou sobre o Ryman: “No Ryman, tudo é possível: uma alma pode encontrar redenção, um prédio em ruí- nas pode encontrar salvação e garotos desconhecidos com violões podem encontrar seus nomes nos letreiros luminosos.”
Saindo do Ryman, uma rápida caminhada virando a esquina me leva ao que talvez seja o mais famoso ou, como alguns podem dizer, infame bairro de Nashville, conhecido como Lower Broadway (“Baixa Broadway”).
Abrigando uma dúzia de bares que abusam do néon, conhecidos como honky-tonks, é o marco zero para turistas e residentes em busca de bebida barata, muita dança e música ao vivo – country, western e bluegrass. Felizmente, também é um ímã para talentos promissores: músicos, cantores e compositores que vieram a Nashville para realizar seus sonhos musicais. Mais felizmente ainda, não se cobra couvert artístico, a comida é barata e não é preciso fazer reservas – eles tampouco as aceitam.
Entro no Tootsies Orchid Lounge, um dos honky-tonks mais populares da rua, e me dirijo ao andar superior, esquivando-me de uma falange de mulheres em despedidas de solteira, usando botas de cowboy, shorts desfiados e camisetas com frases do tipo:
“Dei uns pegas em Nash”, “Minha última andança antes da aliança” e “Ele fez o pedido”. A música toca nos mais altos decibéis, tem qualidade profissional e é muito apreciada. Até mesmo os anúncios do bar sugerem barulho: “Venha para o Tootsies dar um grito e um gole.”
Peço uma cerveja e imagino como devia ser entre os anos de 1960 e 1974, quando os artistas do vizinho Grand Ole Opry costumavam escapulir pela porta dos bastidores do Ryman entre os shows, atravessar o beco (34 passos) para beber umas cervejas aqui.
Tanto o Tootsies quanto seu quase vizinho na Lower Broadway, o Robert’s Western World, são dois dos locais mais badalados de Nashville para exibir os candidatos a estrelas da música country. Quando entro no Robert’s Western World, que está lotado, lembro-me do que o compositor premiado com o Grammy Tim Nichols uma vez me disse: “Nashville é o lugar certo se você quiser fazer um nome nessa indústria. Afinal, se você quer caçar tigres, precisa ir onde os tigres estão.”
Também me disseram que muitos, senão a maioria, dos bartenders e de outros empregados dos honky-tonks da Lower Broadway são aspirantes a estrelas da música country, sustentando-se enquanto aperfeiçoam sua arte. Quando pergunto à bar woman do Robert’s, Theresa Bradford, se algum dos empregados também é aspirante a músico, ela ri e diz: “Você acabou de descrever 90% da nossa equipe.”
Ela me apresenta a Matt Campbell, que explica que veio para Nashville “atraído pelo farol da música country” há cinco anos e conseguiu um emprego – de carregador – no depósito de cerveja do Robert’s. “É um ótimo lugar para fazer contatos e, se você tiver sorte, fazer música”, diz ele.
Campbell, um cantor/compositor multi talentoso, apresenta-se regularmente no Robert’s e em turnês por todo o país. Entre as suas músicas está “The Night That I Found Jesus Down at Robert’s Western World” (“A noite em que encontrei Jesus no Robert’s Western World). Antes de Campbell se juntar à banda para o show no palco principal do Robert’s Western World, ele repete o que Tim Nichols me falou. “Se você tem algo a dizer, precisa levar isso para o mercado”,afirma ele enquanto pendura o violão nas costas.
“E ainda não existe maior mercado de música country do que Nashville.”
“Você veio a Nashville em um momento interessante”, diz o prefeito, David Briley, quando o encontro para um café no ultrassofisticado hotel Noelle. Briley é neto do primeiro prefeito da cidade. “Estamos crescendo rapidamente, evoluindo, tornando-nos multiculturais. Porém, ao mesmo tempo, nos preocupamos em preservar o que fez Nashville ser tão especial – aquele espírito único que atrai 14 milhões de visitantes de todo o mundo a cada ano. E a música é uma parte imensa disso.”
O superstar da música Waylon Jennings poderia muito bem estar descrevendo Nashville ao dizer: “A música country não é um violão, não é um banjo, não é uma melodia, não é uma letra. É um sentimento.”
São muitos sinais de que Nashville ainda reverencia seu passado. Museus relacionados à música estão em toda parte. Os destaques incluem o Hall da Fama e Museu de Música Country, com mais de 32 mil metros quadrados, o muito mais modesto Johnny Cash Museum, o Patsy Cline Museum, o RCA Studio B e o Hall da Fama e Museu dos Músicos. As exposições vão do espetacular Cadillac 1960 “Solid Gold” de Elvis ao grupo de esquilos empalhados que o próprio Hank Williams matou.
Na loja de discos Ernest Tubb, fundada em 1947 por Tubb, uma das es- trelas mais brilhantes do Grand Ole Opry, conheço o empresário Victor Black, uma enciclopédia ambulante de música country. Ele me mostra os destaques do tesouro da loja, entre suvenires, CDs raros e as centenas de discos de vinil e fotos históricas que revestem as paredes.
Também exploro o mais antigo e mais famoso estúdio de música na Cidade da Música, o RCA Studio B, onde muitos cantores famosos gravaram sucessos. Numa de suas primeiras visitas ao estúdio, Dolly Parton bateu com o carro na lateral do prédio e depois brincou: “Esta foi minha primeira gravação de impacto.” Atenção, fãs de Elvis: os visitantes podem se sentar no mesmo piano onde ele gravou alguns de seus sucessos.
Ao final da minha visita a Nashville, sinto-me confiante de que o legado musical da cidade está em boas mãos. A silhueta da cidade pode estar mu- dando, partes dela estão passando por gentrificação, novos restaurantes estão competindo para constar entre os lugares da moda, mas, em seu coração, Nashville ainda é a “Cidade da Música, EUA”.
Felizmente, é um lugar onde botas de cowboy, jeans e caixas de violão superam em número saltos altos, ternos e pastas e é, como Jason Aldean observou, “uma cidade louca, cheia de sonhos de néon”, onde “todo mundo toca, todo mundo canta”.
por Robert Kiener