Quem foi Clarice Lispector? Essa é uma pergunta difícil de responder, mas nós fizemos questão de tentar. Confira a trajetória dessa grande escritora!
Quem foi Clarice Lispector? É uma pergunta difícil de responder. Os fatos à superfície são bem visíveis, e algumas biografias relatam o que lhe sucedeu ao longo de seus 57 . Saber quem era a pessoa humana por trás da biografia, no entanto, é um enigma fascinante. Ainda mais por se tratar de uma escritora que, no romance, no conto, na crônica e no poema, usou obsessivamente, quase abusivamente o pronome “eu”.
Clarice falava quase sempre na primeira pessoa, e mesmo quando suas narrativas usam a terceira pessoa percebe-se que aquela mulher (que às vezes nem nome tem) é sempre ela, a que pensa, a que escreve, e que naquele momento diz “Ela” como se apontasse para o próprio reflexo num espelho, mas sempre sabendo que “a realidade não tem sinônimos” (Água viva).
A vida de Clarice Lispector
Clarice nasceu em 1920, na Ucrânia, e tinha dois meses quando seus pais, judeus, emigraram para o Brasil. Viveu no recife até os 12 anos, quando a família se mudou para o Rio de Janeiro. Da Ucrânia trouxe o rosto com leves traços orientais, os malares salientes, os olhos amendoados; trouxe também a inclinação para o mistério, o misticismo, as ciências ocultas. De Pernambuco, um vestígio do sotaque e do coloquialismo nordestino que nunca a abandonariam. E, quem sabe, uma identificação de alma e de destino com as pessoas humildes, os migrantes, os expatriados, os que não se conformam, os que reclamam e correm atrás.
No Rio, ela estudou Direito, deu aulas, trabalhou na Agência Nacional e no jornal A Noite, e começou a fazer amizades no meio literário. Casou-se em 1943 com Maury Gurgel Valente. Foi nesse mesmo ano que publicou seu romance de estreia, Perto do coração selvagem. O livro ganhou o Prêmio Graça Aranha e provocou impacto nos meios literários. Havia uma dicção diferente, uma nova maneira de concatenar palavras e ideias naquela moça tímida, cujas frases límpidas construíam textos cheios de paradoxos e de desesperado auto-exame.
A vida no exterior
Antes do fim da II Guerra, mudou-se para a Europa com o marido diplomata. A experiência de morar no estrangeiro mudou muito a sua vida.
Morou na Itália, depois na Suíça, onde nasceu seu filho Pedro, e onde escreveu o romance A cidade sitiada. Depois o casal morou na Inglaterra, e por fim nos Estados Unidos. Em 1953, nasceu Paulo, o segundo filho. O esforço de conciliar sua vida íntima e sua criação literária com a carreira diplomática do marido sempre foi muito peno para Clarice, que acabou se separando dele em 1959, voltando a morar, com os filhos, no Rio de Janeiro.
Dedicou-se à imprensa, para sobreviver, e voltou à atividade literária. Seguiram-se alguns de seus livros mais importantes:
- A maçã no escuro (romance, 1961
- A legião estrangeira (contos, 1964)
- Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres (romance, 1969)
- Água viva (romance, 1973)
Em todos eles, ela prosseguiu em sua incansável auto-análise, que é ao mesmo tempo uma autocriação, em que a coragem de pensar certas coisas a faz crescer como pessoa: “Eu sou mais forte do que eu” (A paixão segundo G.H.).
Recebeu em 1976 o prêmio do Concurso Literário Nacional, pelo conjunto de sua obra. Uma obra difícil, mas paradoxalmente muito popular. Sucederam-se as edições de seus livros, devorados por uma enorme maioria de leitores jovens. Sua prosa, que alguns críticos qualificaram de excessivamente intelectual, atraiu os jovens por ser o contrário disso: uma prosa emotiva, em que camada após camada dos sentimentos são retiradas com delicadeza, sem omitir nem mesmos os seus aspectos mais sombrios.
“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso – nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.
Em 1967 Clarice havia sofrido um acidente, um incêndio em seu quarto que a fez correr perigo de vida e lhe deixou marcas profundas. Sua tendência para um temperamento introspectivo acentuou-se a partir daí. O trabalho jornalístico se alternava com outros: traduziu para o português muitos livros, entre os quais Entrevista com o vampiro, o clássico de terror de Anne Rice. O trabalho e os filhos a distraíam de si mesma.
“A vida é curta demais para eu ler todo o grosso dicionário a fim de por acaso descobrir a palavra salvadora.”
Clarice morreu em 1977, ano em que publicou A hora da estrela, um dos seus livros mais amados pelos leitores. Como se fosse uma outra Clarice por trás ou por dentro da Clarice intelectual, cosmopolita, premiada, da Clarice escritora que dizia:
“Não copie uma pessoa ideal, copie você mesma.”