Nohra Padilla tinha 7 anos quando começou a trabalhar com a família. Certa manhã, antes do nascer do sol, a mãe a pôs num carrinho bambo e a levou da
Nohra Padilla tinha 7 anos quando começou a trabalhar com a família. Certa manhã, antes do nascer do sol, a mãe a pôs num carrinho bambo e a levou da favela em Bogotá, na Colômbia, para um lixão. Com a mãe e vários irmãos, Nohra vasculhou o lixo atrás de materiais recicláveis – vidro, metal, papel, papelão – que pudessem ser vendidos por alguns pesos, além de comida, roupas e outros itens úteis em casa. “O cheiro era horrível”, recorda ela. Mas a menininha estava contentíssima de ajudar a sustentar os 11 irmãos e irmãs.
A família de Nohra deixara o campo e fora para Bogotá em meados da década de 1940, fugindo de um prolongado conflito civil no país. Como muitos camponeses desalojados, os avós passaram a ganhar a vida catando materiais recicláveis. Os pais de Nohra seguiram o mesmo caminho, mas insistiram que os filhos estudassem. Depois de labutar no lixão das quatro às dez da manhã, Nohra passava a tarde na escola. Ficava feliz quando achava um livro jogado fora que pudesse chamar de seu.
“Conseguiu passar um período na universidade, mas a necessidade de sustentar a família a obrigou a se dedicar à única profissão que conhecia.”
Quando Nohra tinha 12 anos, o pai morreu num acidente. Mas ela continuou estudando e terminou o secundário como uma das melhores alunas da turma. Conseguiu passar um período na universidade, mas a necessidade de sustentar a família a obrigou a se dedicar à única profissão que conhecia.
Pouco depois, em 1987, o governo municipal anunciou a intenção de substituir o lixão por um aterro sanitário moderno onde os catadores não poderiam entrar. Não se tomou nenhuma providência para auxiliar as 200 famílias que dependiam do lixão. Nohra ajudou a organizar cooperativas para defender o meio de vida dos catadores. A prefeitura lhes deu permissão limitada de recolher recicláveis nas ruas.
Mas estas se mostraram um local de trabalho ainda mais difícil. A concorrência pelo lixo era acirrada, principalmente por causa das empresas privadas de coleta de lixo contratadas pela prefeitura. Os catadores eram surrados por capangas, perseguidos pela polícia e roubados por ladrões. Enquanto isso, segundo Nohra, “a maioria nos via como mendigos e viciados”. Os passantes costumavam cobri-la de insultos enquanto ela remexia em latas fedorentas.
Em 1990, as cooperativas se uniram na Associação de Recicladores de Bogotá (ARB). Nohra se tornou recrutadora. Paramilitares de direita declararam certos bairros fechados aos “encrenqueiros” da ARB e mataram alguns para dar o exemplo; Nohra investiu sua energia em outros setores. No tempo livre, fez cursos de economia e políticas públicas oferecidos por uma entidade jesuíta de serviço social. (Mais tarde, voltou à universidade em meio expediente e se formou em planejamento urbano.) Aos poucos, galgou degraus na ARB.
“O desafio era conseguir que reconhecessem o nosso valor.”
A princípio, a associação se concentrava em questões econômicas: por exemplo, ajudar os membros a vender os recicláveis à indústria a um preço melhor do que o oferecido pelos intermediários. Mas Nohra passou a ver outra necessidade fundamental: mudar a posição dos catadores na sociedade. “Como recicladores, sabíamos que o trabalho que fazíamos beneficiava nossos concidadãos”, diz ela. “O desafio era conseguir que reconhecessem o nosso valor.”
Em 2002, Nohra foi eleita diretora-executiva da ARB (cargo que ocupa até hoje). Pouco antes, as autoridades locais revelaram o projeto de dar a empresas registradas a exclusividade da coleta de lixo; os catadores seriam expulsos de suas rotas costumeiras. Nohra passou a se opor ao projeto e reuniu provas de que a medida violava o direito ao trabalho, garantido a todos pela Constituição da Colômbia.
Durante anos manteve a pressão política e jurídica, enquanto fazia a ARB se expandir de algumas centenas de membros para mais de 3 mil. Ela também conseguiu que a entidade administrasse dois grandes centros modernos de reciclagem que pagam melhor preço aos catadores, além de oferecer refeições gratuitas, creche, assistência médica e treinamento vocacional. Esse esforço irritou os adversários de Nohra. Seu computador e passaporte foram roubados e plantaram-se na imprensa boatos escandalosos sobre ela, que foi presa pela falsa acusação de tentar subornar autoridades municipais. Nohra passou oito dias numa cela infestada de ratos e, embora mais tarde fosse absolvida, a batalha a deixou endividada.
A maré começou a virar em dezembro de 2011, quando a campanha de Nohra forçou o Tribunal Constitucional a dar instruções específicas à prefeitura de Bogotá para assegurar o direito dos catadores de ganhar a vida. Um ano depois, o prefeito anunciou que a cidade começaria a pagar aos catadores informais o equivalente a 400 dólares por mês, comparáveis ao salário de outros trabalhadores do setor sanitário.
Os primeiros pagamentos, transferidos para contas acessíveis por celular, foram feitos em março de 2013. Na sede da ARB, “havia gente segurando o celular e chorando de alegria”, diz Nohra. “Pela primeira vez poderiam comprar peixe para comemorar a Semana Santa.”
“Digo a todos que gostaria que meus filhos trabalhassem com reciclagem quando crescerem. Quero que se orgulhem desse trabalho.”
Os 7 milhões de habitantes da capital podem acabar colhendo as recompensas da visão de Nohra. Os catadores informais desviam cerca de 15% do lixo local – 600 toneladas diárias – para a reutilização produtiva. Então, ao apoiá-los, a cidade melhora a conservação dos recursos naturais, alivia a pressão sobre os aterros sanitários e reduz as emissões de gases do efeito estufa e o escoamento tóxico.
Hoje com 45 anos, Nohra é uma mulher miúda e elegante cujos traços suaves e riso fácil disfarçam a férrea determinação. Como presidente da Associação Nacional de Recicladores da Colômbia, ela luta para ajudar outros municípios a aproveitar a experiência de Bogotá. Já viajou à Índia e ao Senegal para falar com catadores de lixo e costuma ser convidada para participar de conferências da ONU sobre o clima. Em abril de 2013, foi a São Francisco, na Califórnia, para receber o Prêmio Ambiental Goldman, comumente chamado Nobel Verde.
Nohra ainda se orgulha de ser uma recicladora de base (catadora comunitária). “Digo a todos que gostaria que meus filhos trabalhassem com reciclagem quando crescerem”, declara ela, referindo-se aos dois filhos pequenos que tem com o marido Silvio Ruiz Grisales, outro líder da ARB. “Quero que se orgulhem desse trabalho.”