Será que o mundo pode sobreviver sem dinheiro? Os suecos estão próximos da resposta a esta questão com o avanço de pagamentos eletrônicos.
No mês de outubro de 2016, o Banco Central da Suécia emitiu quatro notas, as primeiras cédulas novas em 30 anos. As notas eram mais difíceis de falsificar do que as anteriores e tinham a efígie de personagens importantes da cultura sueca, como o diretor de cinema Ingmar Bergman e a cantora lírica Birgit Nilsson. Muito bom, mas por quanto tempo elas serão necessárias? Em 1661, a Suécia foi o primeiro país europeu a usar o papel-moeda. Agora talvez se torne um dos primeiros países a abrir mão dele totalmente. De acordo com uma previsão, o país poderia parar de usar dinheiro vivo daqui a apenas 15 anos.
Para muitos suecos, sobretudo em áreas urbanas, a sociedade sem dinheiro já é quase uma realidade. Philip Ohlsson é um típico rapaz de 24 anos, que mora e trabalha no centro de Estocolmo. Ele diz que quase nunca carrega notas ou moedas e que paga tudo com cartão, por menor que seja a quantia.
Philip gosta de usar o Swish, aplicativo lançado pelos seus maiores bancos do país que permite aos clientes transferir dinheiro entre contas utilizando o celular. “Quando vou com amigos a bares e restaurantes, é mais fácil um de nós pagar a conta toda e depois os outros transferirem o dinheiro para a conta de quem pagou”, diz Philip. “Assim não precisamos apresentar cinco cartões.”
“O uso de dinheiro em espécie está diminuindo em ritmo tão rápido que podemos ficar formalmente sem ele em 2030”
Se for a um dos raros restaurantes que não aceitam cartão, Philip recorre ao caixa eletrônico mais próximo. “O uso de dinheiro em espécie está diminuindo em ritmo tão rápido que podemos ficar formalmente sem ele em 2030”, prevê Niklas Arvidsson, professor do Real Instituto de Tecnologia e Estocolmo e autor de um recente relatório intitulado A sociedade sem dinheiro. “Isso não significa que o dinheiro vai desaparecer, mas que o uso de dinheiro em espécie será tão pequeno que não vai ter importância.”
A Suécia, assim como outros países nórdicos, como a Dinamarca e a Finlândia, está na vanguarda das transações sem moeda sonante, mas outros países europeus começam a alcançá-los.
Para os suecos ainda apegados ao uso de notas e moedas, elas vêm ficando mais difíceis de encontrar, pois a maioria dos bancos não mantém mais dinheiro em espécie nas agências. Susanne Mennfort trabalha no SEB, um dos principais bancos do país, e, alguns anos atrás, gerenciava a primeira agência a parar de guardar dinheiro. “Achamos que os clientes iam se queixar”, recorda ela. “Durante um ano, avisamos a eles o que aconteceria e explicamos que poderiam usar os cartões de débito. Quando o dia enfim chegou, ficamos nervosos, sem saber o que diriam. mas a maioria perguntou por que não tínhamos feito isso antes, porque era muito mais fácil usar os cartões. Tivemos medo que os idosos não aprovassem, mas eles tiveram de se acostumar a tantas mudanças no decorrer da vida que não foi problema para eles.”
Não surpreende que a incidência de assaltos a bancos na Suécia tenha caído substancialmente […]
Não surpreende que a incidência de assaltos a bancos na Suécia tenha caído substancialmente, embora alguns possíveis ladrões tenham demorado a entender. Em abril de 2013, um homem entrou num banco no centro de Estocolmo e ameaçou os funcionários com um “objeto parecido com uma arma”, mas foi forçado a sair de mãos vazias ao descobrir que não havia dinheiro na agência. Até os caixas eletrônicos estão sendo removidos, e o valor total das notas em circulação caiu um quarto nos últimos cinco anos.
Algumas lojas, alegando maior segurança e menor custo de manuseio, só aceitam pagamento com cartão, e as palavras Vi hanterar ej kontanter (“Não aceitamos dinheiro em espécie”) estão se tornando cada vez mais comuns. No Museu do Abba, em Estocolmo, a mensagem é ainda mais clara: “Não manuseamos notas e moedas porque acreditamos que operar sem dinheiro é mais seguro e eficiente para nossos visitantes e funcionários”, diz um grande cartaz.
Björn Ulvaeus, do grupo musical Abba, é um dos partidários mais destacados de uma sociedade sem dinheiro na Suécia. Depois que o filho foi assaltado, ele acredita que o dinheiro não é tão bom assim quando pode ser utilizado para comprar e vender bens roubados no mercado negro. E, como experiência, se propôs viver um ano sem dinheiro em espécie. “O único inconveniente que tive foi a necessidade de usar uma moeda para liberar o carrinho supermercado”, contou ele. “Desafio qualquer um a citar razões para manter o dinheiro em espécie que superem o enorme benefício de se livrar dele.”
O valor total das notas em circulação na Suécia caiu um quarto nos últimos cinco anos.
Apesar do aumento dos casos de fraude eletrônica (dizem que seu número mais do que dobrou na última década), em geral os suecos vêm aceitando com alegria o novo mundo sem dinheiro vivo.
As igrejas também estão recorrendo à nova tecnologia para lidar com o uso cada vez menor de dinheiro vivo pelas congregações. “Há alguns anos, discutimos como fazer a coleta dominical e também como ajudar quem não usa mais dinheiro em espécie a contribuir para obras de caridade e ouras coisas na igreja”, conta Johan Tyrberg, bispo de Lund, no sul da Suécia. “Decidimos nos tornar uma das primeiras igrejas rurais a instalar um leitor de cartões. Algumas catedrais já tinham, e pensamos: por que não fazer isso também, embora estejamos no interior? E instalamos um leitor de cartões de crédito na igreja, numa grande caixa. Não é daqueles que se pega na mão; ele mais parece um móvel! A pessoa vai até lá e toca um botão na tela para dizer se quer doar para obras de caridade internacionais, para a coleta dominical ou o que for. Depois, digita o valor, o cartão e a senha.”
O bispo Johan admite que essa nova tecnologia já está fora de moda, e agora pensa no que fazer para os paroquianos doarem pelo celular. “É mais fácil e barato”, diz ele. “Há várias paróquias trabalhando com projetos diferentes. No entanto, ainda fazemos a coleta dominical, que é o nosso meio principal de recolher doações.”
A mesada, outra instituição financeira tradicional, também está se digitalizando cada vez mais. Susanne Mennfort tem dois filhos, Axel, de 16 anos, e Alice, de 11, e, como muitos pais suecos, dá a mesada por transferência bancária. Os dois filhos têm cartões de débito, e Susanne usa um aplicativo que lhe permite transferir dinheiro entre as contas.
O bispo Johan admite que essa nova tecnologia já está fora de moda, e agora pensa no que fazer para os paroquianos doarem pelo celular.
“Eles adoram pagar com o cartão porque assim não precisam contar notas e moedas quando querem comprar algo”, diz ela. “E há um bônus adicional: as crianças podem nos ajudar nas compras. Por exemplo, certa tarde meu filho estava em casa, lavando os carros, quando a ponteira da mangueira quebrou. Ele me ligou e pediu que eu transferisse para sua conta dinheiro suficiente para comprar outra. Quando cheguei à noite, os carros estavam limpos e tínhamos uma mangueira nova!”
No mundo, Suécia, Dinamarca e Finlândia são líderes em pagamentos com cartão por habitante. O governo dinamarquês, por exemplo, propôs recentemente a revogação de uma lei que obriga as lojas a aceitarem notas e moedas. Mas por que esses países estão tão à frente dos outros?
“Um fator importante é que nós, suecos, confiamos nos políticos e nos bancos”, diz Niklas Arvidsson. “O mesmo acontece nos outros países nórdicos. Além disso, nos interessamos muito por novas tecnologias e temos uma forte tradição em telecomunicações. Aqui todo mundo tem celular há muito tempo.” Foi na Finlândia que nasceu a Nokia, e a Suécia produziu a Ericsson.
Não surpreende que os países europeus com dificuldades econômicas e menos confiança nos bancos ainda estejam bem mais distantes da sociedade sem dinheiro vivo. A Grécia e a Itália são um bom exemplo, com apenas 17 e 65 pagamentos sem dinheiro per capita, respectivamente, de acordo com dados do Banco Central Europeu, contra os 375 da Suécia.
No mundo, Suécia, Dinamarca e Finlândia são líderes em pagamentos com cartão por habitante.
Mas a atitude cultural em relação ao dinheiro também é um fator importante. A Alemanha, por exemplo, apesar da forte infraestrutura para pagamentos eletrônicos e da economia em relativa expansão, sem falar do respeito saudável pelos banqueiros, registra apenas modestos 242 pagamentos sem dinheiro por cidadão. “Na Alemanha ainda existe muita afinidade com o dinheiro”, acredita Jason Lane, um dos diretores de desenvolvimento de negócios europeus da MasterCard. “Seja por motivos históricos ou por uma questão de geração, é mais provável que o consumidor alemão que queira comprar um terno, por exemplo, vá primeiro ao caixa eletrônico, saque dinheiro e pague o terno em espécie.”
Lane diz que a fase seguinte rumo ao fim do dinheiro vivo será, em última análise, a transição para um mundo sem cartões, no qual os celulares efetivamente se tornarão cartões de débito.
Será que algum dia os suecos se lembrarão com saudade de suas belas cédulas novas? Talvez um pouquinho. “Se sentirei saudade do dinheiro? De jeito nenhum”, diz Ingemar Akesson, que administra uma empresa de relações públicas em Estocolmo. “Mas dinheiro vivo é bom para aniversários. Digamos, se quisermos dar mil coroas a um filho, é melhor usar notas do que fazer a transferência para a conta dele, onde o dinheiro não fica visível. Em espécie, fica mais parecido com um presente. E pensamos melhor no valor. Quando é digital, não parece dinheiro de verdade.”