São pouco mais de cinco da tarde. Caminho sobre um dique num setor dos Everglades raramente visitado pelo público, cerca de 60 quilômetros a oeste de
São pouco mais de cinco da tarde. Caminho sobre um dique num setor dos Everglades raramente visitado pelo público, cerca de 60 quilômetros a oeste de Miami. O ar denso e úmido está cheio de mosquitos, que zumbem e gemem, borrachudos e outros insetos que afasto o tempo todo do rosto e da pele exposta. Milhões de rãs coaxando se somam a essa tumultuada sinfonia ao ar livre.
De vez em quando, um aligátor preto retinto, empoleirado no dique, mergulha na água quando passo. Outros me olham com desconfiança, mas ficam parados, absorvendo o sol do fim da tarde. Garças, cararás e incontáveis aves aquáticas saem dos pinheiros-americanos, ciprestes e manguezais e voam pelo céu.
Os mais de 6 mil quilômetros quadrados que constituem os Everglades se estendem até onde posso ver. São marcados, aqui e ali, por ilhas com muitas árvores, morros e o pântano coberto de juncos. A cena é assombrosamente linda e selvagem. E, como logo descobrirei, pode ser muito perigosa.
Vim ao sul da Flórida para ver como os moradores locais autorizados a caçar serpentes ajudam o governo a enfrentar a explosão recente de pítons-birmanesas. Elas invadiram a região e estão destruindo a vida selvagem local. Comem quase tudo que encontram – guaxinins, esquilos, coelhos, raposas. O New York Times descreveu esse ofídio invasor como “a cobra que está comendo a Flórida”.
Trinta anos atrás, não havia sinal de pítons-birmanesas nos Everglades. Agora, a maioria dos especialistas concorda que elas podem ser até 100 ou 200 mil. E estão se reproduzindo num ritmo alarmante. Como último recurso para deter essa invasão, os caçadores são pagos pelo governo quando capturam e matam essas cobras poderosas, que podem chegar a seis metros de comprimento, ficar grossas como um poste telefônico e pesar mais de 90 quilos.
Em busca do inimigo
Caminho ao lado de Tom Rahill, técnico de telecomunicações durante o dia, caçador de pítons à noite e nos fins de semana. Ele já pegou mais de 500 dessas cobras na última década e, pelo sucesso, é chamado de “encantador de serpentes”. Rahill também é o fundador do “Swamp Apes” (“Macacos do Pântano”), grupo de voluntários que leva veteranos de guerra com transtorno de estresse pós-traumático para os Everglades. “É um jeito ótimo de afastar a mente deles dos problemas”, explica.
Tom Rahill, o “encantador de serpentes”, capturou mais de 500 pítons-birmanesas na última década.
Enquanto andamos pelo dique, observo Rahill usar uma vara bifurcada de madeira, ou “bastão de cobra”, para cutucar de vez em quando as moitas de capim denso sob a copa fechada das árvores. Ele aponta um setor aplainado e me diz: “Esse é o terreno perfeito para a píton-birmanesa. Dá para ver onde elas se enfiaram pelo capim.”
Enquanto procura mais sinais reveladores, como mudas de pele, ele me lembra que as pítons invasoras logo se tornaram o maior predador dos Everglades. “Os animais selvagens daqui não têm chance”, diz ele. “Elas comeram quase todos os pequenos mamíferos, e agora atacam até aligatores. São animais magníficos, mas o lugar delas não é aqui.” Rahill, 61 anos, limpa a testa com um lenço vermelho e continua. “Essa invasão se tornou uma tragédia para os Everglades.”
Lembrança inesquecível
De repente, Rahill para e começa a farejar. “As fezes de píton são muito fedidas. Depois de sentir o cheiro, a gente não esquece mais”, diz ele com um grande sorriso. “É muito fácil passar por essas cobras sem ver; as pítons têm uma camuflagem perfeita.” Dali a minutos ele avista uma muda recente de pele no chão. “Essa era grande. Uns três metros, talvez”, diz ele ao erguer o túnel translúcido de pele velha de alguns dias. “Eu sabia que estávamos no lugar certo!”
Enquanto ele continua a procurar e cutucar as touceiras, começo a enfiar meu bastão de cobra no mato denso e nas fendas da pedra calcária. Vou andando pelo dique aluvial, evitando com cuidado as moitas de poisonwood, que podem causar uma urticária horrível, até que sinto uma mão no ombro e ouço Rahill gritar: “Pare! Cuidado!”
Fico paralisado, e ele aponta uma mocassim-d’água grossa, de cabeça triangular, enrolada no pé de uma aroeira-vermelha, a centímetros de minha bota e pronta para o bote. Não vi a víbora venenosa de 1,2 metro (também chamada de cottonmouth ou “boca de algodão”). “Se ela tivesse picado você”, diz Rahill quando me afasto, “seus dias de caçador de cobra teriam acabado.”
Enquanto riachos de suor descem por minha testa, faço uma anotação mental: a partir de agora, andar atrás do encantador de serpentes. E prestar atenção.
Como tudo começou
Para entender o histórico da invasão de pítons, visitei Frank Mazzotti, 69 anos, professor de ecologia e conservação de animais selvagens da Universidade da Flórida. Durante quatro décadas ele pesquisou espécies animais e vegetais invasoras, e ficou 12 anos estudando répteis invasores. Sentados em seu escritório ensolarado no quarto andar do campus de Fort Lauderdale, pergunto-lhe quantas pítons se estabeleceram no sul da Flórida e nos Everglades. “Você já ouviu falar dos números ‘entre trinta e duzentos mil’, não ouviu?”, pergunta ele. “Ninguém sabe o número exato, porque é muito difícil avistar essas cobras.”
Depois de uma pausa, ele me olha nos olhos e diz: “No entanto, o que sabemos é que são muitas!” Ele ri e continua. “E muitas são demais!”
Especialistas acreditam que a invasão de pítons no sul da Flórida começou na década de 1980, quando os donos desses animais, talvez desapontados com seus répteis, que cresciam depressa (os filhotes medem cerca de 56 cm e chegam a três metros em menos de dois anos), os soltaram nos Everglades. “É provável que os donos não quisessem matá-los e, assim, deixaram que fugissem para o pântano”, diz Mazzotti. “Um grande erro.”
Tom Rahill (à frente) comanda uma equipe de Swamp Apes numa caçada de pítons.
Mazzotti e outros também apontam o comércio de animais de estimação como origem provável da invasão. Dado o baixo nível de diversidade genética das cobras, eles acreditam que, décadas atrás, elas foram soltas, de propósito ou sem querer, por comerciantes de répteis. Alguns também afirmam que, em 1992, o furacão Andrew pode ter danificado as instalações dos criadores, soltando os répteis num ecossistema onde prosperaram.
Fertilidade, habilidade e voracidade
Independentemente da forma como chegaram ao sul da Flórida, as serpentes logo se tornaram uma força dominante. “Elas estão adaptadas a esse hábitat”, diz Mazzotti. Ele explica que as pítons-birmanesas são generalistas, tanto em termos de hábitat quanto de alimentação. “Isso significa que, ao contrário de muitas outras espécies, elas mudam facilmente de alimentação e engolem o que estiver disponível.” Mazzotti as descreve como vorazes ou “aspiradores de pó”. “E não são muito exigentes quanto ao lugar onde moram.”
Uma notícia ainda pior para suas presas na Flórida: elas são muito férteis. Uma fêmea pode pôr de 50 a 100 ovos por estação.
As pítons-birmanesas são predadoras hábeis na emboscada. Preferem deitar-se e esperar a presa antes de atacá-la, agarrando-a com as várias fileiras de dentes afiados e voltados para trás. Depois enrolam-se em torno dela e a apertam até que parem de respirar. Qual a sua eficácia? Um estudo mostrou que, nos últimos vinte anos, as pítons foram responsáveis por devorar todos os coelhos e raposas dos Everglades, além de mais de 85% dos gambás, guaxinins e linces.
Jejum e camuflagem
É interessante que, “encolhendo” os órgãos vitais e baixando o metabolismo, as pítons também consigam ficar até um ano sem comer. E são mestres na camuflagem; sua pele marrom e castanha permite que praticamente desapareçam no mato. Mazzotti se lembra de quando soltou nos Everglades uma fêmea de 4,2 metros equipada com um transmissor. “Eu segurava sua cauda e, assim que ela deslizou para dentro da água, embora ainda segurasse a metade traseira, não consegui mais ver a metade dianteira. Era como se aquela metade sumisse de repente.”
Muitos caçadores de pítons contam que as cobras se camuflam tão bem que só as encontram quando pisam nelas. Mazzotti diz: “Imagine o supremo e mais perfeito caçador. Agora imagine esse caçador usando camuflagem high-tech. É assim que elas são.”
Antes de sair da sala de Mazzotti, pergunto-lhe a probabilidade de deter ou reverter essa invasão. “Acho”, diz ele, “que estamos uns dez anos atrasados para fazer diferença. Temo que as pítons estejam aqui para ficar.”
A procura continua
Lembro-me da frase de Mazzotti sobre “camuflagem” depois de passar vários dias desbravando os Everglades com Tom Rahill sem avistar uma única píton. Andamos sobre os diques aluviais ao longo dos canais – são centenas de quilômetros deles, administrados pelo Distrito de Gestão Hídrica do Sul da Flórida (SFWMD na sigla em inglês) – e chapinhamos pelas águas escuras dos Everglades. Embora tenhamos visto muitas outras cobras, das mocassins-d’água e corredoras-azuis às cascavéis-do-texas, além de incontáveis aligatores, tartarugas e aves aquáticas, ainda não avistamos uma píton-birmanesa.
Hoje à noite, faremos diferente; vamos passar devagar ao longo dos canais na velha picape Chevy de Rahill, com esperança de avistar uma delas na estrada ou nos diques aluviais. Como ele me disse, “passar de carro é um jeito ótimo de avistar pítons que saem dos Everglades para se aquecer na superfície da estrada”.
Encontro Rahill perto de Kendall, na Flórida, quase 25 quilômetros a sudoeste de Miami, próximo ao limite leste dos Everglades. Ele equipou a picape com refletores de ambos os lados e na frente, para nos ajudar a avistar as cobras. O sol já está se pondo, e, antes de abrirmos um dos portões do SFWMD para começar a busca, um morador local se aproxima a cavalo.
Nicky Garcia, 66 anos, rosto castigado pelo sol e sorriso acolhedor, apresenta-se e nos diz que há trinta anos mora na área dos Rocky Glades, nos Everglades. Ao saber que estamos caçando pítons-birmanesas, ele se abaixa para apertar nossa mão.
“Obrigado”, diz ele. “Elas pegaram muitos animais meus!” Ao longo do tempo, ele perdeu mais de 60 galinhas e pelo menos cinco cabras para as pítons.
Histórias assustadoras
Enquanto avançamos ao lado de um canal com os refletores acesos, Rahill me lembra do que devo procurar:
– Uma píton na estrada à nossa frente é fácil de avistar. Parece uma lombada – explica ele. – Se virmos uma grande, você vai ter de agarrar a cauda dela enquanto pego a cabeça. Acha que consegue?
– Claro – minto.
– Ótimo. Outra coisa. É muito provável que ela faça cocô em você.
De repente me recordo do caso recente de um aldeão indonésio de 25 anos que sumiu num dendezal. No dia seguinte, ele foi encontrado dentro de uma gigantesca píton-birmanesa de 7 metros, que o matou e o engoliu inteiro. Em 2009, na Flórida, uma píton de estimação de 2,5 metros matou uma menina de 2 anos. Mas felizmente ataques de pítons a seres humanos são raros.
Agora anoiteceu e, com lua cheia, é como se dirigíssemos por um túnel de luz. Rahill examina o dique enquanto me conta histórias de antigas capturas. Ele descreve a vez em que avistou uma cobra de 3,5 metros que deslizava pelo dique para entrar no pântano.
“Assim que a vi, pisei no freio, desci correndo o dique e a agarrei pela cauda pouco antes que entrasse na água. Ela era muito forte, e eu estava sozinho. Não sei como, depois de brigar com ela mais de dez minutos, consegui arrastá-la para terra seca, vencê-la e enfiá-la numa fronha grande. Passei uma semana dolorido.”
Em outra ocasião ele avistou uma píton imensa que acabara de entrar na água. Ele e um amigo a agarraram pela cauda, mas a cobra era tão forte que arrastou os dois uns 20 metros dentro da água e depois fugiu nadando. “Ela nos puxou como se fôssemos penas num trem de carga”, recorda ele. “Foi assustador.”
Cara a cara, enfim
Nesse instante, como se ouvisse a deixa, Rahill entra em outro dique e grita, de repente: “COBRA!” Lá, atravessando lentamente a estrada de brita calcária do dique, está uma píton-birmanesa. Ele pisa no freio, escancara a porta e corre até a cobra, que tem cerca de 1,5 metro. “Adolescente, mas forte”, grita Rahill. A barriga cheia e grossa indica que ela deve ter matado e comido recentemente.
Com habilidade, Rahill balança e ondula, dançando em torno da cobra, que tenta atacá-lo. Então, com uma das mãos, ele a agarra firmemente atrás da cabeça.
“Pegue a cauda!”, ordena ele. Enquanto Rahill segura a cabeça da cobra, eu agarro sua cauda e me espanto ao sentir que, tentando se libertar, ela parece ser de músculo maciço. Seguro com mais força, enquanto a cobra se contorce, querendo se soltar de mim, e se enrola em meu braço. Então, exatamente como Rahill previu, ela evacua em mim.
O jornalista Robert Kiener com a píton que ele e Rahill pegaram.
Minha calça está coberta de bolhas brancas de cocô de píton-birmanesa, com um fedor forte e sulfuroso. Mas não me importo. Finalmente ensacamos nossa píton. Rahill e eu batemos as mãos erguidas. Mais tarde ele matará a cobra e a entregará ao SFWMD para receber o pagamento – quase cem dólares por uma desse tamanho. Embora seja pouco mais de três da manhã, ele me pergunta se quero continuar caçando. Respondo depressa: “Vamos nessa!” Como disse Frank Mazzotti, há muito mais pítons por aí.
Nota do editor: O SFWMD anunciou recentemente que os caçadores autorizados capturaram e mataram a milésima píton-birmanesa no Programa de Eliminação de Pítons, iniciado em março de 2017. Mais recentemente, depois de resistir durante anos, o Parque Nacional dos Everglades abriu suas terras aos caçadores autorizados de pítons.
Por ROBERT KIENER