A radiografia de Tereka revela a razão espantosa de uma vida inteira de dor de barriga. Leia essa história na íntegra!
Redação | 9 de Fevereiro de 2022 às 14:00
Tereka Eanes não consegue se lembrar de uma época em que sua barriga não doesse. Criada na cidade de Huntington, no estado americano da Virgínia Ocidental, ela enfrentava dores, cólicas e diarreia constantes. Na maior parte da infância, os médicos não deram atenção às suas queixas.
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Quando Tereka chegou aos 20 anos, finalmente começaram a fazer exames, que não revelaram nada definitivo. Os especialistas acharam que podia ser problema de vesícula ou síndrome do intestino irritável. Recomendaram que evitasse determinados alimentos e lhe afirmaram que não havia nada muito errado.
Em 2001, quando Tereka tinha 28 anos e trabalhava como cabeleireira, os sintomas pioraram: ela passava horas no banheiro, com esperança de que a dor abdominal passasse.
Convencida de que aquilo não era um problema digestivo cotidiano, ela foi ao Cabell Huntington Hospital, onde um médico pediu uma radiografia abdominal. Quando o resultado chegou, a técnica ficou confusa e pediu a outros funcionários do hospital que analisassem o exame antes de dizer a Tereka, espantada, que “seu estômago está no lado errado”.
Não era tudo. Quando pediram uma tomografia do abdome de Tereka, havia várias outras anomalias: vários baços, o cólon no lugar errado, a aorta com um formato estranho, os rins não estavam onde deveriam, o intestino tinha a rotação errada e vasos sanguíneos fundamentais estavam no lugar oposto.
A notícia chocou Tereka; ninguém espera ter os órgãos fora do lugar. Esse problema se chama situs ambiguus ou heterotaxia, é relativamente raro e ocorre quando os órgãos do feto ainda estão se desenvolvendo no útero.
Afeta cerca de uma em 10 mil pessoas, e o caso de Tereka era mais extremo do que a maioria. O médico de família de Tereka nunca vira nada parecido. Ficou claro que o problema era a fonte dos sintomas, mas o médico estava perplexo e não tinha uma solução fácil.
O ponto positivo era que os órgãos, embora desarrumados, funcionavam. O negativo era que um elemento do diagnóstico, a má rotação intestinal, poderia gerar um vólvulo, uma obstrução intestinal capaz de causar mais dor abdominal, vômitos graves e até complicações fatais.
Embora Tereka não tivesse vólvulo, sua vida cotidiana ficou cada vez mais difícil. Quando começou a trabalhar numa universidade, sentar-se à mesa provocava uma sensação aguda logo abaixo das costelas. “Era como se alguém me esfaqueasse”, diz ela. A sensação era tão insuportável que, em várias ocasiões, ela teve de deixar o trabalho e ir ao pronto-socorro. “A dor ficava cada vez pior”, diz ela. “Foi o que me fez buscar outro médico.”
Mas o médico que Tereka acabou consultando, um líder respeitado no campo da gastroenterologia, sugeriu que seu nível de estresse é que piorava a situação. Aconselhou-a a se exercitar e meditar regularmente. “Você precisa mostrar à sua mente que não há nada muito errado em você”, disse o médico. Tereka ficou irritadíssima; ela sabia que aquilo não vinha só de sua cabeça.
No fim de 2020, um dos colegas de Tereka na universidade sugeriu que ela procurasse a Clínica Cleveland. No site da clínica havia uma reportagem sobre uma bebezinha que fizera a correção da má rotação intestinal.
Tereka entrou em contato e pediu uma consulta com o Dr. Kareem Abu-Elmagd, que salvara a vida da criança. Na consulta, ele respondeu confiante que poderia ajudar. “Ele sabia exatamente do que eu estava falando”, diz Tereka. A má rotação intestinal é mais comum do que o problema de Tereka, e o Dr. Abu-Elmagd já tinha operado 100 desses pacientes.
O intestino e o fígado do feto se desenvolve rapidamente entre as oito e as dez semanas de gestação, nas quais normalmente também ocorre a rotação de 270 graus do intestino. No entanto, quando algo dá errado no processo, o órgão pode se instalar na posição errada. Isso provoca uma reação em cadeia: quando o intestino não se desenvolve direito, o mesmo acontece com o mesentério, o órgão que conecta o intestino à parede abdominal posterior.
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Uma teoria é que, por sua vez, isso priva o intestino de sangue, o que provoca o deslocamento dos órgãos e, finalmente, sintomas como os de Tereka: náusea, má digestão, diarreia e dor abdominal.
Para ajudar pacientes como ela, o Dr. Abu-Elmagd recomenda procurar essas anormalidades nos recém-nascidos para que sejam corrigidas mais cedo, quando o procedimento cirúrgico é mais simples.
Ele também gostaria de ver a doença incluída no currículo das escolas de medicina. “Em geral, a doença não é diagnosticada”, diz, acrescentando que às vezes os médicos acham que os pacientes têm problemas psiquiátricos.
Em abril de 2021, na Clínica Cleveland, Tereka passou pela cirurgia de correção da má rotação. Depois de uma semana de preparativos – exames de sangue, tomografias, exames para mostrar como líquidos e alimentos passavam por seu corpo –, ela foi para a sala de cirurgia.
Durante seis horas, o Dr. Abu-Elmagd e sua equipe giraram o intestino de Tereka 180 graus, removeram parte do cólon e rearrumaram vários outros órgãos. O resultado foi uma imagem espelhada de um abdome regular – nada ortodoxo, mas tão bom quanto qualquer outro.
Quando acordou, Tereka sentia dores terríveis. “Precisei de quatro pessoas só para me ajudar a manter a cabeça levantada”, diz ela. Mas era um tipo novo de desconforto, causado pela cirurgia, não por problemas abdominais.
Em junho de 2021, depois de dois meses de recuperação, ela pôde voltar para casa e, aos poucos, retornar ao trabalho, livre do desconforto que a perseguiu durante décadas. “Quase não sei agir sem dor”, diz ela, rindo. “Achei que teria de conviver com aquela sensação pelo resto da vida. Eu não sabia que podia me sentir tão bem.”
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