A surpreendente história de um grupo de exploradores de caverna que tiveram o seu caminho bloqueado por uma inundação
Redação | 6 de Fevereiro de 2019 às 14:00
O que você faria se ficasse preso em uma caverna que a cada minuto que passa se torna mais e mais perigosa? Se desesperar não era uma opção para Jason e seus amigos, ávidos aventureiros.
Acompanhe essa aventura de tirar o fôlego!
A chuva cai sem parar.
Jason Storie a ouve enquanto se prepara para passar o dia explorando cavernas com cinco amigos em Duncan, na Ilha de Vancouver, Canadá. Vamos explorar cavernas, não caminhar ao ar livre, diz ele a si mesmo. Não vou me preocupar com uma chuvinha.
Rapidamente ele veste uma camiseta, depois dois moletons, um macacão de brim, meias de neoprene, uma jaqueta impermeável e botas de borracha. Debaixo do braço, leva com orgulho o novo capacete com lanterna.
– Continue dormindo – cochicha ele ao se abaixar para se despedir da mulher, Caroline com um beijo.
– Divirta-se. E tome cuidado – diz ela.
São 6 horas da manhã de 5 de dezembro de 2015. Recém-iniciado no esporte, Jason só explorou cavernas quatro vezes. Essa será a tentativa mais difícil: uma caverna chamada Cascade.
Seu nível de dificuldade é tão alto que a entrada no chão é bloqueada por uma porta retangular de metal, sempre trancada, cuja chave só pode ser obtida depois que todos os que pretendem entrar assinam um termo de responsabilidade.
Com 1,1 quilômetro de comprimento e 103 metros de profundidade – suficiente para engolir um prédio de 30 andares –, a caverna é cheia de curvas e trechos muito estreitos. Inclusive uma passagem que leva a uma descida curta e apertada chamada Bastard’s Crawl (“rastejo do canalha”), que, por sua vez, termina numa cascata com menos de um metro de largura chamada Double Trouble (“problema em dobro”), porque uma pedra se projeta e a divide ao meio.
Jason destoa do restante do grupo: além de ser o menos experiente, tem 43 anos e é menos dez anos mais velho do que os outros. Pai de dois filhos pequenos, cabeça raspada, Jason é formado em artes cênicas, mas dirige a própria empresa de lavagem de janelas e limpeza de calhas em Duncan. Foi Andrew, de 33 anos, paramédico e atleta radical que mora com a mulher e a filha ainda bebê a poucas ruas de Jason, quem lhe apresentou o esporte.
“Há mais de mil cavernas e túneis na Ilha de Vancouver”, dizia ele. “Venha conosco. Nunca é igual.” Embora o nível de risco fosse alto, Andrew era a pessoa perfeita com quem começar: professor paciente, ex-guia das famosas cavernas de Waitomo, na Ilha do Norte da Nova Zelândia, e paramédico que saberia o que fazer se algo desse errado.
Todas as vezes em que entrava em uma caverna, Jason sentia assombro. Embaixo da terra, ele é um explorador à moda antiga num mundo arcaico em constante mudança, criado pela Mãe Natureza e pela água, inexorável e constante – um mundo onde ele conta com a inteligência rápida e coragem. Nas cavernas não há espaço para exibição nem competição.
Não se você quiser sobreviver.
Jason embarca na picape Ford Ranger alaranjada e, durante 15 minutos, percorre a estrada molhada, seguindo para o norte, até o Serviço de Ambulâncias da Colúmbia Britânica, na cidade de Chemainus, onde encontra Andrew e Adam Shepherd, também paramédico, que acabaram de terminar seu turno. Adam também já explorou algumas cavernas. Todos se amontoam na caminhonete quadrada de Andrew, com tração nas quatro rodas; vão a Ladysmith buscar Zac Zorisky, cozinheiro e bombeiro voluntário, e depois seguem para seu destino, onde encontrarão Matt Watson e Arthur Taylor, programadores de computador que vêm de Victoria.
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A caminhonete vai para o norte pela estrada da ilha, passa por Nanaimo e Parksville e entra à esquerda na cidade de Qualicum Beach, numa rota marcada por faces de penhascos, pilhas de pedras e abetos antigos e retorcidos. Chove de leve, mas dentro do veículo o clima é alegre, enquanto os rapazes tentam superar uns aos outros com possibilidades estatisticamente remotas.
– Imaginem se a gente ficar preso.
– É, ou se uma pedra cair em cima da gente!
– Ou um de nós quebrar uma perna.
– Calma, segurem o estresse – diz Andrew, que, por ter mais experiência, é o líder do grupo na prática. Seu cabelo curto e castanho é espetado, e ele usa grandes discos pretos no lóbulo das orelhas.
Por volta das 8h30 da manhã, ele sai da estrada e para numa loja de doces perto de Port Alberni, onde assina e pega a chave da abertura da caverna. É ali que eles se encontram com Matt e Arthur, os outros dois exploradores. Os seis se dividem entre os dois veículos e sobem uma trilha não marcada de cerca de um quilômetro, até parar numa clareira. Ali, fazem a conferência para se certificar de que não esqueceram nada.
Luvas e forros à prova d’água? Ok.
Cordas, arneses e mosquetões? Ok.
Duas sacolas contendo um fogão leve a gás marca Jetboil, pacotes de sopa e guisado desidratados, garrafas d’água, petiscos, um kit de primeiros socorros e um cobertor “espacial” de Mylar que parece uma folha de papel alumínio. Ok, ok e ok outra vez.
Todos conhecem a regra número um da exploração de cavernas sem ter de dizê-la em voz alta: Sempre se prepare para o pior.
Eles descem a pé uma encosta curta e íngreme, às vezes agarrando galhos de árvores para se apoiar, até chegarem à porta no chão.
A gente nunca saberia que estava aqui se não estivesse procurando, pensa Jason.
Essa é uma das principais razões de seu amor pela exploração de cavernas: a sensação do inesperado. Quem nunca explorou cavernas pode achar que há uma grande abertura por onde basta entrar ou que há câmaras e mais câmaras cheias de estalactites pontudas suspensas no teto e estalagmites atarracadas – acúmulos de depósitos minerais – subindo do chão.
Mas as cavernas mais interessantes são aquelas em que a gente tem de se espremer, onde talvez não haja um caminho óbvio para avançar – características como uma pilha de rochedos que bloqueia o caminho e que é preciso ultrapassar. É isso que adoro, pensa Jason.
São 10 horas da manhã. A porta está aberta e um a um eles descem nove metros rumo à escuridão, cada um preso por mosquetões a uma corda, para o caso de escorregarem. Ali é úmido e gelado, cerca de cinco graus.
Depois de chegarem todos ao fundo, eles descem por uma passagem estreita cravejada de rochedos pontiagudos, revezando-se para carregar as bolsas de equipamento. A princípio, o silêncio só é quebrado pela respiração pesada. Mas, conforme avançam, há um pinga-pinga constante vindo de cima, como moedas caindo na rocha. Logo, o pinga-pinga se transforma num fluxo leve e constante, e eles caminham com água até as canelas.
– Todo mundo bem? – grita Andrew.
– Sim – vem a resposta.
– Tudo bem.
– Eu também.
Cerca de 45 minutos depois, Adam anuncia que não consegue continuar; as costas, feridas alguns meses antes, já estão doendo, e ele não quer atrasar os outros. Matt o acompanha de volta à entrada para vê-lo sair e tranca de novo a porta de metal. Os outros esperam o amigo numa câmara com tamanho suficiente para que fiquem em pé, conversando baixo.
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Numa visita anterior, eles não conseguiram chegar ao final da caverna e foram forçados a voltar pela hora tardia. Agora, têm bastante tempo para ir devagar e notar tudo em volta: a parede de pedra, uma formação rochosa pontiaguda, uma pilha de pedras, uma poça de lama. E sempre, sempre a água, na qual às vezes eles têm de vadear.
Nos 90 minutos seguintes, eles são exploradores que rastejam, andam e deslizam por passagens como tubos e por câmaras como a nave de uma igreja, grandes mas não avassaladoras. Manobram o corpo pela passagem úmida e apertada que leva ao Bastard’s Crawl, outra pequena passagem cravejada de pedras, com uma inclinação um pouco mais acentuada. Às vezes há apenas um pinga-pinga de água nessa passagem. Hoje há mais, e corre depressa.
– Passo de caranguejo! – grita Andrew.
No alto da cachoeira Double Trouble, eles prendem cordas e arneses para descer de rapel.
– Cuidado! – gritam uns aos outros.
As botas encontram apoio em saliências escorregadias. Mãos enluvadas procuram apoio.
Até aqui, tudo bem, pensa Jason. Você não queria um desafio maior? Encontrou.
Há algo maravilhoso em descer por uma cachoeira. É um sentimento de realização temperado com adrenalina.
Fazemos isso porque a maioria nunca viverá essa experiência, pensa Jason.
Alguns minutos depois da Double Trouble, por volta das 13 horas, eles param para um almoço rápido. Andrew acende o Jetboil para fazer guisado de carne e frango com arroz. Eles partem de novo 20 minutos depois para chegar ao fim da caverna, a apenas um quarto de quilômetro. Mas, em minutos, têm de voltar; Zac está tremendo. Embora a temperatura não tenha mudado, o frio pode chegar a qualquer momento, por mais quente que sejam as roupas. Eles decidem retornar. Juntos.
♦
Primeiro vai Matt, depois vão Arthur, Jason, Zac e Andrew. Eles refazem a rota por 10 minutos, depois 30. O som de água corrente está ficando mais alto.
– Cuidado! – gritam para trás os exploradores que estão na frente.
Quase às 14h15, os exploradores se aproximam da parte de baixo da Double Trouble. Agora, o som da água virou um rugido, e o fundo se encrespa numa espuma branca e zangada.
Está chovendo quase sem parar há dois dias, e as cavernas são como os canos de drenagem da Terra. Mas, no começo, ninguém fica nervoso. Eles estão preparados. Têm um fogão. Têm comida, o cobertor térmico e material de primeiros socorros.
Tudo vai dar certo.
Matt prende ao arnês a corda que ficou amarrada no alto da Double Trouble e começa a subir. Não demora muito; são talvez quatro andares de altura. Porém, é um trabalho duro: içar uma perna, encontrar uma saliência minúscula e molhada na parede de pedra, depois uma mão enluvada, depois a outra perna. Quando chega ao topo, deixa cair a corda novamente e Arthur sobe, depois Jason, uma perna de cada lado da água, decidido a não escorregar. No alto, Jason se deita de barriga para subir a inclinação da Bastard’s Crawl.
Um, dois, três – a água bate em seu rosto enquanto ele se força a avançar. Céus, está fria! Ao sair finalmente pela abertura na próxima passagem estreita, ele para, perplexo, porque ela se divide em duas.
Não me lembro disso. Para que lado devo ir?
Ele não consegue ver os dois exploradores à sua frente, e decide descer e perguntar.
Jason começa a descer com cuidado. De repente, a força da água o empurra para o chão, mergulhando-o. Sente a pressão de mais água se acumular atrás dele.
Não entre em pânico, diz a si mesmo. Mas não consigo me mexer! Minha bota está presa!
Deitado de costas, com a água correndo por cima dele, Jason tenta gritar por socorro, mas ofega freneticamente para respirar. São uns cinco minutos que parecem uma eternidade. Ele pensa na família: Caroline, com quem está casado há 16 anos. Jack, de 7 anos, que adora aviõezinhos de papel, e Poppy, sua princesinha de 3 anos.
Então Zac, que chegou ao topo da Double Trouble, vê Jason preso, debatendo-se no meio da Bastard’s Crawl.
– Andrew! Jason está com problemas! – grita ele, a voz conseguindo subir acima do trovão da água.
Jason vê Andrew no início da passagem, calmo e firme, fazendo gestos com a mão enluvada.
– Mãos sólidas, Jase. Deixe as mãos ao lado do corpo. Cabeça levantada – grita Andrew. – Você não está preso. Continue vindo, amigo. Continue respirando. As mãos para fora. Mantenha-se erguido.
As mãos enluvadas de Jason saem da água, debatendo-se, depois o rosto molhado emoldurado pelo capacete. Ele arfa, tentando respirar.
– Na minha direção – continua Andrew. – Atenção às mãos. Venha. As mãos para fora. Continue respirando. Venha na minha direção.
Finalmente, Jason chega aonde Andrew está à sua espera.
– É assustador, mas você conseguiu. Vamos descansar um pouquinho, certo?
Mas logo Andrew incentiva Jason a avançar de novo.
– Agora preciso que você comece a avançar.
– Num segundo. Minha perna está presa.
Ele tenta soltar a bota, presa numa fenda entre duas saliências rochosas. Ela não se mexe. Será que vou me afogar?
– Tudo bem, amigo – diz Andrew, enfiando a mão na água corrente e procurando a bota presa. Ele agarra algo sólido. – É seu pé?
– É.
– Vamos fazer isso juntos. Você precisa de boas mãos. Não deixe que essa água o leve.
Soltar Jason e fazê-lo avançar leva 20 minutos. Com o incentivo de Andrew, Jason sai da Bastard’s Crawl como um bebê que nasce, todo molhado, os olhos fechados e ofegante.
– Você está bem – diz Andrew, segurando seus ombros e instalando-o numa saliência estreita, perto de onde Zac espera. – Zac, fique com Jason enquanto vou buscar a comida, o cobertor e o kit de primeiros socorros nas bolsas lá na frente. E tenho de contar a Matt e Arthur o que aconteceu.
Ele leva uns 15 minutos. Ao voltar, diz a Zac que a água está subindo, portanto está na hora de sair.
– Matt e Arthur estão esperando você logo depois da Bastard’s Crawl – diz ele. – Tenho de aquecer Jason antes de tentarmos sair. Se tudo der certo, iremos logo atrás de você. Mas se não o alcançarmos em meia hora, avise o serviço de busca e resgate.
O medo que Andrew não revela é que Jason esteja ficando hipotérmico, consciente mas tão frio que parou de tremer. Ele enrola o amigo no cobertor e acende o Jetboil, decidindo aquecer Jason despejando água quente em suas roupas.
Vamos, Jason! Alcançar em meia hora? No que eu estava pensando? Em voz alta, ele diz:
– Jase, vai dar tudo certo.
A cor de Jason começa a voltar ao normal.
– Bem-vindo de volta, amigo. Está pronto para sair daqui?
Andrew sente a pressão – e muita culpa, por ser ele o especialista que sempre prometeu à mulher de Jason que o marido estaria a salvo. Ele imaginara que a viagem de hoje seria simples. Mas agora estão a mais de uma hora da entrada; com Jason encharcado, exausto e esgotado, ele teme que levem ainda mais tempo.
Precisam partir agora.
Jason inspira fundo, preparando-se para enfrentar de novo a Bastard’s Crawl. Eles recolhem as bolsas, o fogão e o cobertor e começam a subir, brigando o tempo todo com a água trovejante – ou ela é que briga com eles, esmagando-os, empurrando-os para trás.
Jason mal começa a subir quando tem de se sentar numa saliência. Há água demais, e ele está muito fraco.
São apenas 10 centímetros de ar entre a água e o teto, insuficiente para manterem a cabeça erguida para respirar. Até a água descer, eles estarão presos.
Jason olha em volta, à procura de algum tipo de abrigo, e avista uma saliência acima daquela onde está; embora a parede tenha um ângulo desconfortável de 45°, há espaço suficiente para os dois. Andrew, com a calça de neoprene que chega à cintura, se empoleira à frente de Jason para receber a maior parte da pressão da água, as pernas apoiadas de forma desconfortável numa saliência no outro lado da cachoeira. São 18 horas. Zac os deixou há três horas.
– Só temos de tomar cuidado para não nos empurrarmos. Isto aqui não é fácil – avisa Andrew, diante da situação complicada.
Não há espaço na saliência para culpa nem críticas. A questão é a sobrevivência. Eles se instalam com cordas e dividem o cobertor. Não resta combustível no fogão, porque Andrew usou-o para esquentar a água e aquecer Jason.
Andrew tenta uma piada:
– Se não sairmos daqui, nossas mulheres vão nos matar!
Zac chega ao topo da Bastard’s Crawl às 15h15 e encontra Matt e Arthur à sua espera; o trio aguarda mais uma hora por Jason e Andrew, que não aparecem. Finalmente, às 17h20, eles vão até a escada e saem da caverna, exaustos, molhados e surpresos ao encontrar Adam, que deveria ter ido embora com a namorada, preocupado, esperando por eles.
Ainda chove. Enquanto Matt dirige pela trilha em busca de um ponto onde seu celular tenha sinal, os outros três se revezam entre a entrada da caverna e a van de Andrew, para se aquecerem. Esperam. Observam. Torcem para os amigos saírem. Mas ninguém vem.
Às 19h15, eles veem faróis e ouvem a picape de Matt voltar pela trilha na direção deles.
– O pessoal de busca e resgate está a caminho – diz ele. – Estarão aqui o mais depressa possível.
Às 21 horas, as duas equipes chegam. Os doze integrantes do grupo de resgate em terra do vale de Alberni estão lá para dar apoio e montam um acampamento improvisado em torno da caverna, com luzes e paramédicos de prontidão.
No começo, a equipe de resgate é formada por quatro exploradores que moram na Ilha de Vancouver, inclusive o casal John Lay e Charlene Forrest. No caminho até o local, eles temem que seja uma operação de resgate de corpos. Mas, ao descobrirem que um dos exploradores presos é Andrew, eles concluem que os dois homens têm uma boa probabilidade de sobreviver.
Ao chegar, a primeira tarefa é montar um sistema de cordas e polias em Z para içar os exploradores presos; eles podem estar feridos ou cansados e esgotados demais para subir a escada.
Às 22h30, John e Charlene descem à caverna com suprimentos de emergência, inclusive garrafas térmicas com chocolate e café quentes.
– Andrew! – chamam. – Jason!
Não há resposta. Devagar, eles avançam por lama, pedras e rochedos até a Bastard’s Crawl, mas são finalmente detidos pela água, que continua a jorrar incessantemente pela abertura. Há água demais para passarem, e o vento dificulta ouvirem a si mesmos, que dirá ouvir pessoas presas no outro lado.
Para quando voltarem – e para o caso de Andrew e Jason conseguirem sair –, eles deixam os suprimentos e algumas lanternas e retornam à superfície. Quase três horas angustiantes depois de descer, o casal sai da caverna. É 1h20 da madrugada. Será preciso monitorar o nível da água e depois planejar quando entrar de novo.
Arthur, Matt, Zac e Adam estão decididos a ficar. Os socorristas se agarram à ideia de que é um resgate, e não uma recuperação de corpos. Essa se torna a oração do grupo, recitada durante a noite enquanto ficam de vigília, tomam café e tentam se aquecer. Andrew vai tirar Jason. É preciso.
Mas, por favor, por favor, que a chuva acabe.
Na caverna, Andrew e Jason estão imersos em pensamentos e envoltos cada um em sua parte do cobertor térmico.
Jason pensa em como será a vida da família sem ele. Mas tenta afastar esses pensamentos.
Respire! Por favor, mamãe, papai, Deus, quem estiver por aí, ajudem-me a passar por isto. Ajudem-me a viver.
Em silêncio, Andrew recita um mantra que já o ajudou a superar ocasiões assustadoras. Baseia-se num trecho de Duna, o romance de ficção científica de 1965 de Frank Herbert, e diz assim: “O medo é o assassino da mente, o medo é a pequena morte negra que traz o esquecimento total. Deixarei o medo passar por mim e, quando ele se for, permanecerei.”
Não há sinal dos socorristas. Será que os outros três conseguiram sair? Talvez estejam caídos no outro lado da Bastard’s Crawl, bloqueados pela água, feridos. Ou mortos.
Por volta das 5 horas da manhã, de olhos cansados, eles notam que parece estar baixando.
– Vamos esperar um pouco e ver – diz Andrew.
Os minutos passam enquanto eles observam a água. Será que vai descer? Dali a uma hora, a água baixou a ponto de poderem manter a cabeça acima d’água e tentar passar. Rígidos por ficarem sentados na mesma posição durante quase 12 horas, eles esticam o corpo pouco a pouco, surpresos por terem suportado tão bem o sofrimento. Então Jason tenta levantar a perna e grita de dor. Estiramento de um músculo da virilha – mas isso não vai detê-lo.
Tenho de sair. Tenho de tentar.
Lá no alto, a chuva finalmente diminuiu. São 6 horas da manhã, e o céu ainda está escuro quando os três socorristas, entre eles Charlene e John, se preparam para entrar de novo. Mais exploradores chegaram, uma equipe sobressalente, porque é assim que fazem. Quando alguns dos seus têm problemas, eles se reúnem para ajudá-los.
Enquanto isso, Andrew e Jason avançam com dificuldade rumo à entrada, por um tempo com água além do peito. Agora, numa passagem com altura suficiente para andarem eretos, Jason, um pouco à frente, vê algo tremular a distância.
– São luzes, Andrew! Vejo luzes!
Parte dele quer manter a calma e a frieza, mas a outra parte está empolgada demais. Jason avança, exausto, sentindo o fim do sofrimento. Logo eles ouvem vozes.
– Ei! – gritam juntos. – Estamos aqui!
São 7h30 da manhã. Os socorristas, que entraram na caverna para verificar o nível da água, mal acreditam no que estão ouvindo.
– Andrew? Jason? – chama Charlene.
– Somos nós! Tirem a gente daqui! – gritam eles em uníssono.
Com a voz cheia de alívio, ela grita em resposta:
– Ai, meu Deus!
Quando o prendem às polias e o içam numa corda rumo à entrada, os olhos de Jason se enchem de lágrimas pela primeira vez desde que quase se afogou 16 horas antes.
– Conseguimos!
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