Os alunos fitam um dos pastos verdes e luxuriantes de Jaime, no momento ocupado por grandes porcos pretos. “Esse tipo de animal não é criado em fazendas intensivas”, explica Francisco de Asís Ruiz Morales, coordenador da escola. Ele fala da prática moderna de ter milhares de animais presos em baias cobertas. “Se perdermos pastores como Jaime, também perderemos raças inteiras de animais nativos.”
Enquanto os alunos perambulam pelo prado sem arbustos que forma boa parte das terras de Jaime, Francisco explica que, sem os rebanhos no pasto, espécies invasivas como cardo, urze e giesta destruiriam rapidamente a biodiversidade que se desenvolveu nos últimos mil anos de agricultura não industrial na Europa.
“Animais como o lince e a águia, que dependem de terra limpa para caçar, poderiam desaparecer”, diz Francisco. E sem animais pastando e mantendo a terra limpa, explica ele, os incêndios florestais que assolam a Europa, graças, em parte, à mudança climática, se tornariam ainda mais incontroláveis. Ele aponta uma vaca, que mastiga um tufo de capim. “As plantas que dependem da perambulação de animais de criação para disseminar suas sementes não cresceriam mais. Há uma grande lacuna de conhecimento. A sociedade em geral não percebe o impacto do que está desaparecendo.”
Alguns dias depois chega a hora do último estágio dos alunos com um pastor como tutor.
Mario e Julia escolheram Juan Antonio. Eles mal podiam esperar pela oportunidade de estar na terra com um pastor de verdade e absorver seus conhecimentos.
“Isto se chama trovisco”, diz Juan Antonio, erguendo uma folha comprida e fina. Os três estão diante do galpão de ordenha, sem ligar para o forte sol andaluz. Ele lhes passa a planta. “É um antibiótico, antisséptico e anti-inflamatório natural”. O pastor levanta uma garrafa plástica cheia de um líquido escuro que lembra uma poção. “E isto é uma mistura de azeite e trovisco. Pode ser usada em lugar de antibióticos para tratar infecções.”
Quando uma de suas 200 cabras ou 170 ovelhas se machuca nos morros rochosos, ele enrola uma dessas folhas na pata. Quando uma ovelha em ordenha tem mastite – inflamação da glândula mamária –, um pouco do óleo resolve. Julia e Mario ficam extasiados. “Nunca trabalhei com ovelhas nem cabras”, explica Julia. “Esta experiência é perfeita. Preciso aprender tudo.”
Eles sobem um morro cheio de arbustos atrás de Juan Antonio. A terra quase árida é seca e ondulada, marcada por ervas sedentas que são ótimos petiscos para cabras e ovelhas. O trio chega ao laticínio improvisado de Juan Antonio, cortado numa pedreira natural de três metros de mármore cor de creme. Dentro de suas paredes frias, Mario e Julia observam o tutor demonstrar como transforma o leite das cabras em queijos artesanais perfeitamente circulares. Primeiro, ele filtra o leite em duas camadas de pano; depois, acrescenta uma pitada de estômago de bezerro moído para agir como coagulante; então, vira os queijos à mão, para que curem por igual. O produto final é orgânico, de cabras criadas soltas, sem antibióticos e vendido no local.
Nesses simples círculos de queijo Julia vê o futuro.
Ela descreve seu sonho: um pedaço de terra e um pequeno rebanho de ovelhas e cabras; produzir queijo orgânico de alta qualidade e vendê-los na cidade. “Quero ser autossuficiente”, explica ela. “Quero pintar e escrever, mas não é do que pretendo viver; quero fazer queijo.”
É claro que ser pastor é mais do que extrair tinturas oleosas e fazer queijo. O calor do verão está apenas começando, e as ovelhas de Juan Antonio se encontram cobertas de lã. Está na hora da tosquia. No estábulo, Julia e Mario observam o filho de Juan Antonio deitar uma ovelha de costas; segurar suas quatro patas com uma das mãos e amarrá-las com uma corda. Então ele liga uma grande tosquiadeira elétrica e se põe a trabalhar. Em questão de minutos, a ovelha antes cinzenta e com a pelagem embaraçada está de pé, livre e contentíssima com a nudez recém-descoberta.
As coisas não vão tão bem com Julia. Juntar as patas finas da ovelha lhe exige minutos em vez de segundos, e segurar o grande animal enquanto o tosa é bem difícil. Quando termina, 25 minutos depois, o animal sai cambaleando, com marcas de sangue onde a tosquiadeira beliscou a pele. Oito horas depois, Mario e Julia desmoronam num muro de pedra perto do rebanho, exaustos, encharcados de suor e cobertos com uma camada áspera de lã e poeira. Farão isso da aurora ao crepúsculo nos próximos três dias.
“A vida de pastor tem muitas horas de trabalho duro”, admite Juan Antonio. Mas isso não é nada, insiste ele. Surpreendentemente, a carga administrativa é que o derruba. “A amargura da vida vem da papelada”, diz o velho pastor, balançando a cabeça.
Juan Antonio fala do número cada vez maior de regras desde as mudanças da Política Agrícola Comum da União Europeia, no início dos anos 2000. As regras são projetadas para baixar o preço dos alimentos e controlar sua qualidade e constância. Os pastores dizem que elas favorecem a criação intensiva e tornam insustentável o modo de vida dos pequenos pastores e seus animais criados no pasto.
Antes, ninguém perturbava Juan Antonio, mas agora até algo tão básico quanto levar uma cabra de um pasto a outro exige a aprovação do órgão agrícola local. Seu laticínio doméstico na montanha ficou tecnicamente ilegal. O filho está construindo um laticínio na cidade vizinha para que eles possam voltar a vender legalmente os queijos de Juan Antonio.
Mas em vários aspectos os pastores ainda são mais livres do que a maioria.
A tarde termina nos prados ondulados, e Julia, Mario e Juan Antonio estão à sombra de uma árvore esquálida, a terra em torno deles banhada pelos últimos raios de sol. Em silêncio, eles trançam fibras cor de palha enquanto Juan Antonio demonstra como tecer os fios numa funda boa e forte. “Isso existe desde Davi e Golias”, diz Juan Antonio. “Vocês sabiam que Davi era pastor?”
Para Julia, esse é o ponto alto do curso: estar sentada nessa montanha, ao lado do sábio tutor, observando os animais e ouvindo seus cincerros. É um contentamento que ela pretende preservar. “Tenho as ferramentas para tornar o pastoreio sustentável e mudar o sistema”, diz ela. São os pastores jovens como ela, peritos nas coisas da cidade e do campo, que podem evitar que essa antiga profissão desapareça no passado. Julia sabe que o caminho à frente será difícil, mas a paz que encontra nesses momentos faz tudo valer a pena. Ela fita o horizonte enquanto o sol baixa sobre o terreno rochoso. “Há muita razão para lutar.”