Eram 4h30 da manhã. Sam estava feliz. Fora aprovado no teste de direção em outubro de 2017 e tinha carro próprio havia quatro meses, um pequeno Hyundai
Julia Monsores | 3 de Outubro de 2019 às 13:56
Eram 4h30 da manhã. Sam estava feliz. Fora aprovado no teste de direção em outubro de 2017 e tinha carro próprio havia quatro meses, um pequeno Hyundai ix35. E, na sexta-feira, ele se inscrevera numa nova vaga de aprendiz em eletricidade e ar condicionado. Depois de comemorar com amigos, voltava para casa pela estrada que conhecia bem.
Ótimo boxeador, jogador de futebol e frequentador de academia, Sam tinha excelente forma física. Nunca bebia nem usava drogas. Enquanto dirigia pela estrada escura, tomou um gole da grande garrafa d’água que sempre levava consigo para se manter hidratado – bons hábitos que salvariam sua vida.
Tony e Leigh, pais de Sam, tinham viajado para passar o fim de semana em Canberra. Os irmãos mais velhos de Sam, Luke e Megan, estavam em casa, e Sam, sempre responsável, lhes contara seus planos para a noite. Também mandara uma mensagem à namorada: Vejo você amanhã às 12.
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Ele estava perto de casa, só faltavam dez minutos. Árvores grossas ladeavam a estrada e não havia outros carros à vista. Agora Sam estava ficando muito cansado. Desacelerou ao entrar na zona de 80 km/h, os faróis altos cortando o negrume da estrada enquanto ele se esforçava para manter os olhos abertos. Então, ainda na velocidade permitida, o sono tomou conta dele. O rapaz saiu da estrada, passou por um grande mourão de concreto que arrancou a porta do motorista e caiu pela encosta. Os airbags explodiram quando o carro capotou, rolou duas vezes e, finalmente, parou sobre as rodas vinte metros abaixo da estrada.
O mato denso engoliu o carro. Sam estava sentado, as pernas presas sob o painel do banco. O cotovelo e a perna direitos tinham lesões graves, e uma batida forte na cabeça o fazia perder a consciência de forma intermitente.
A manhã de domingo chegou e passou na casa dos Lethbridge, e Megan e Luke começaram a se preocupar com o irmão. Onde estava Sam? As ligações e mensagens não recebiam resposta. Quando a namorada de Sam disse que ele furara com ela no encontro do meio-dia, eles souberam que havia algo errado.
Na mesma hora, Leigh e Tony começaram a ligar para o celular de Sam. Ninguém atendeu. Eles continuaram tentando até o celular ficar sem bateria. Enquanto isso, os amigos de Sam refaziam seus passos, indo e vindo várias vezes pela estrada, sem perceber que estavam a poucos metros de onde ele se encontrava ferido. Luke e Megan também ficaram a noite toda subindo e descendo a estrada. Estavam cada vez mais angustiados.
Às 21horas, Leigh e Tony não aguentaram mais ficar em Canberra. Puseram a bagagem no carro e começaram a viagem de cinco horas de volta a Lake Macquarie.
Sam é nosso filho sensato, disseram, mas, enquanto viajavam pela escuridão, o medo aumentava. Será que deu carona a alguém? Será que foi vítima de algum crime?
Era quase 1h30 da madrugada quando estacionaram diante de casa. O restante da família já estava lá: a mãe e o irmão mais velho de Tony, Michael, com a esposa Eileen. Megan já entrara em contato com a polícia e dera queixa de pessoa desaparecida, mas lhe disseram que pouco poderiam fazer.
Tony voltou ao carro e seguiu para a delegacia. Era um comportamento relativamente normal para um rapaz de 17 anos, disseram. Era provável que tivesse fugido. Volte se ele não aparecer pela manhã.
Meu filho não é assim, pensou Tony. Ninguém conhece o filho tão bem quanto seus pais, e Tony sabia que Sam precisava dele. Ele foi para casa pensar. Ex-empreiteiro que agora trabalhava com o irmão como carteiro, ele começou a sopesar logicamente a situação. Só havia uma maneira de procurar na mata fechada: ele precisava de um olho no céu.
Sam já estava desaparecido havia mais de 24 horas. Seus ferimentos eram graves. O fêmur estava fraturado, e dez centímetros de osso saíam pela coxa. A única coisa que o impedia de sangrar até a morte era a pressão do painel sobre as pernas. Ele batera a cabeça, e tinha fraturas e luxações no corpo todo.
Ali caído, semiconsciente, preso e incapaz de se mexer, Sam suportou a dor durante o dia e a noite quentes de janeiro. A estrada principal ficava a poucos metros, no alto da encosta, mas, enquanto sua vida começava a se esvair, ele estava completamente oculto. E seu tempo se acabava.
Pouco depois das 9 da manhã de segunda-feira, o piloto de helicóptero Lee Mitchell estava com três colegas no escritório da Skyline Aviation quando Tony escancarou a porta. “Aqui estão mil dólares. Preciso de um helicóptero para procurar meu filho”, disse ele aos homens, seu desespero visível no rosto cansado.
Enquanto Tony lhe explicava a situação, Lee, que tinha gêmeos de 17 anos, reconheceu o medo que todo pai sente quando não consegue fazer contato com um adolescente. E, como piloto de helicóptero havia 18 anos, Lee fizera muitas missões de busca, mas nenhuma acabara bem. Se Sam ainda estivesse vivo – o que seria um milagre –, estaria perdido há quase 29 horas, mais de um dia de calor e uma noite inteiros. “Quando você quer ir?”, perguntou.
O vento forte aumentara, mas as condições não eram ruins para um piloto experiente como Lee. Tony, propenso a enjoo de movimento, não quis participar da busca. “Não sou bom de voar. Vou buscar meu irmão para ir com você”, disse ele. “Ele está a poucos minutos daqui. Não demoro.”
Enquanto Tony corria para buscar Michael, Lee e os colegas tiraram do hangar um helicóptero Robinson R44 de quatro lugares e o prepararam rapidamente. Tiraram as portas para permitir visão em 360°, e dez minutos depois, quando Michael chegou ao heliponto, o aparelho estava pronto.
O vento forte empurrou o helicóptero leve quando decolaram. “Por onde quer começar?”, perguntou Lee. Michael ponderou as opções. Tinham decolado a poucas centenas de metros da casa de Sam, e a melhor opção seria refazer a viagem de Sam até onde partira, na Costa Central.
Michael fitou o chão lá embaixo. A mata era tão densa que a única maneira de procurar sinais do carro de Sam era olhar diretamente para baixo, atrás de algum vislumbre do carro entre as árvores.
Depois de apenas oito minutos, Lee avistou alguns destroços brancos. A mata australiana é cheia de carros abandonados, mas aquele era incomum: não estava queimado, e o teto branco cintilava ao sol.
“É aquele?”, perguntou a Michael, manobrando o helicóptero para mais perto e virando-o num ângulo para que Michael pudesse olhar melhor. Ele conseguiu ver uma porta e um para-choque — e lá, numa pequena clareira entre as árvores, estava sem dúvida o carro de Sam.
Eles deram voltas por um minuto, tentando avistar sinais de vida. Michael mandou uma mensagem a Tony para que viesse imediatamente e lhe deu as coordenadas da localização de Sam. Ventava demais para pousar ali perto. Lee levou o helicóptero até um posto de gasolina desativado, pousou o aparelho e Michael desceu. Enquanto Michael corria estrada acima rumo ao sobrinho, Lee voltou com o helicóptero ao local onde estava Sam, ficou sobrevoando para marcar a posição do acidente e chamou os serviços de emergência.
Michael não planejara ser o primeiro a chegar ao local. Ele deveria ser o observador do helicóptero, mas agora estava ali, a metros do carro de Sam, morrendo de medo do que encontraria. Alguns anos antes, quase no mesmo dia, seu filho Tim falecera de leucemia. Ele conhecia muito bem o tormento do pai que perde um filho.
Ele lutou para caminhar sobre aquela superfície quando começou a descer e passou pelo mourão de concreto e pelos destroços do caminho. Ainda não conseguia ver o carro. Ergueu os olhos. O helicóptero continuava lá, sobrevoando quase diretamente acima de sua cabeça. Ele devia estar perto, mas mal conseguia se mexer, tentando prolongar os momentos antes de encontrar o corpo de Sam.
Ele contornou um arbusto e lá estava o carro. Conseguiu ver a cabeça de Sam, que se mexeu. Sam erguia a cabeça! Estava vivo! “Você está bem, cara?”, gritou Michael quando saiu correndo rumo ao sobrinho.
Ele avaliou Sam rapidamente. O rapaz estava confuso, mas respirava. A princípio, ele não viu sangue nem ferimentos, a não ser um corte nos dedos e os olhos que ficavam vidrados conforme ele perdia e recuperava a consciência. Alguns metros acima, Lee viu Michael pular e lhe mostrar o polegar erguido, a alegria visível em todo o seu corpo.
Em casa, uma mensagem zumbiu no celular de Tony. “Acharam o carro!”, gritou ele para a família. Em segundos, Tony embarcou no carro, com Eileen, mulher de Michael, a seu lado. Eles correram para o local, a pequena distância dali.
Minutos depois, o telefone de Tony tocou. Era Michael. “Ele está vivo! Está vivo!”
E, enquanto estacionavam, eles viram o helicóptero sobrevoando à frente. Tony só conseguia ver o mato fechado, sem sinal de carro, sem sequer galhos quebrados. “Onde ele está?”, gritou para a multidão crescente de ajudantes e transeuntes. Eles apontaram a encosta, e Tony desceu correndo pelo mato para chegar ao filho. “Papai chegou, filho”, disse ele.
Sam virou a cabeça e sorriu. “Pai, preciso de uma bebida.”