Yves Ubelmann: o homem que traz de volta à vida ruínas antigas

Enquanto se esquiva do tráfego da Place de la Concorde, em Paris, fica claro que Yves Ubelmann tem uma missão. A de hoje vai levá-lo ao famoso complexo de

Redação | 21 de Janeiro de 2019 às 16:57

ANTOINE DOYEN -

Enquanto se esquiva do tráfego da Place de la Concorde, em Paris, fica claro que Yves Ubelmann tem uma missão. A de hoje vai levá-lo ao famoso complexo de museus do Grand Palais; vizinho aos Champs-Elysées, ele abriga a primeira exposição a mostrar o trabalho da sua empresa, a Iconem.

Iconem é o nome da empresa inovadora que utiliza a tecnologia mais avançada para dar vida às glórias da Antiguidade.

Quem é Yves Ubelmann?

Yves Ubelmann, de 37 anos, é arquiteto especializado em monumentos antigos, muitos dos quais estão desaparecendo rapidamente em consequência de conflitos armados, obras urbanas e desastres naturais como inundações e terremotos. Seu trabalho o leva a percorrer o mundo.

“A arqueologia sempre foi um grande interesse meu”, diz ele. “Quando estudava arquitetura e depois de me formar, visitei muitos sítios arqueológicos em diversos países e fiquei chocado ao ver como se deterioravam depressa.”

Ubelmann usa drones para tirar milhares de fotografias aéreas de lugares históricos ameaçados. Depois, algoritmos de computador medem as imagens e as transformam em modelos tridimensionais digitais ultraprecisos, num processo chamado de fotogrametria.

Esses modelos tridimensionais podem ser utilizados para fazer mapas, servir de arquivo para arqueólogos e historiadores do futuro e, o que é muito importante, revelar ao público as maravilhas arquitetônicas do passado.

A exposição Sites Eternels, em Paris, é um exemplo extraordinário de seu trabalho. As projeções em 360° de sítios do Oriente Médio reconstruídos mergulham os visitantes nos ricos detalhes de templos e mesquitas, grandes arcos e castelos de cruzados.

“As imagens fornecidas pela Iconem levam os visitantes a uma espantosa viagem de imersão no interior desses lugares geralmente inacessíveis”, diz Jean-Luc Martinez, diretor do museu do Louvre, em Paris, que colaborou com a exposição.

Ubelmann também é empresário e emprega dez pessoas para transformar suas imagens em modelos digitais fotorrealistas nos imensos monitores de computador dos escritórios apertados no bairro tradicionalmente artístico de Montparnasse, em Paris.

Há gerações sua família tem vínculos com Montparnasse e com a arte e a arquitetura. No fim do século 19, seu trisavô trabalhou como professor de desenho na mesma rua da sede da Iconem. O avô também era arquiteto e, como Yves, trabalhava na conservação de monumentos antigos, como o Monte Saint-Michel, na Normandia.

“Desde pequeno mergulhei num banho cultural que abriu meus olhos para os monumentos históricos e o desenho”, diz Ubelmann. “Desenho bastante. Uso o desenho para aumentar minha compreensão da arquitetura. É uma tradição de família!”

Quando adolescente, ele foi voluntário em escavações arqueológicas; em 2006, depois de se formar arquiteto, o trabalho o levou à Itália, à Síria, ao Irã, ao Afeganistão e ao Paquistão para estudar prédios antigos e seus ambientes.

Foi no Afeganistão que ele se espantou com o que estava acontecendo com o extraordinário patrimônio cultural do país. Ele viu que o saque de artefatos, moedas, cerâmica e esculturas antigas era generalizado. Em outra região do país, fortes inundações tinham arrastado um monumento do século 16 enquanto num sítio budista importante paredes de barro desmoronavam sob o sol do deserto.

Preservando os tesouros arqueológicos do mundo

A reconstrução física não era factível em muitos países que ele visitou. “Não se pode simplesmente impedir o crescimento de uma cidade, não se pode pôr guarda militar em todos os locais – os exércitos em geral estão sob ataque –, e o saque é inevitável.” As autoridades em geral estão empobrecidas e ocupadas com conflitos. “A maioria dos governos dos países onde trabalhamos quer proteger seu patrimônio cultural, mas há falta de recursos e de organização.”

Ubelmann também descobriu que muitos sítios nem eram considerados monumentos históricos. Alguns eram desconhecidos. “É muito preocupante”, diz ele, que começou a pensar numa alternativa à reconstrução. “A alternativa foi propor acordos para documentar digitalmente os locais. Podemos perder os sítios, mas preservaremos sua lembrança. Isso é importantíssimo porque há muitos locais que não foram estudados. O que me espantou e me espanta até hoje é que não haja um programa internacional de documentação.”

A Unesco só consegue se concentrar no pequeno percentual de remanescentes arqueológicos classificados como Patrimônio Mundial. Mas Ubelmann também é apaixonado pelas centenas de outros locais. “São os sítios que mais precisamos proteger. Se os perdermos, perderemos todos os indícios de sua história, de vidas passadas. Fiquei revivendo o problema na cabeça por um bom tempo”, conta ele. “E, quando procurava um meio de documentar os locais, encontrei duas técnicas em surgimento.”

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Usando a tecnologia a para preservar o passado

No fim dos anos 2000, os drones e a fotogrametria se desenvolviam em paralelo. Uma câmera montada num drone poderia comprimir em algumas horas dois meses de um trabalhoso levantamento topográfico tradicional.

A fotogrametria emprega um software que produz modelos tridimensionais precisos a partir até de duas imagens. Ubelmann acreditou que conseguiria combinar essas tecnologias para medir, mapear e recriar locais antigos com a máxima exatidão. Ele também poderia incluir fotografias antigas para mostrar como tinham mudado com o tempo.

Ele se uniu a Philippe Barthélémy, ex-piloto de helicóptero que sabia operar drones, e, em 2010, eles partiram para o Afeganistão a fim de testar o equipamento em Mes Aynak, um complexo budista espetacular com 5 mil anos de existência. O local era cheio de tesouros, inclusive centenas de estátuas de Buda, mas seria destruído para que as jazidas subterrâneas de cobre pudessem ser exploradas.

Começou a corrida para documentá-lo antes que desaparecesse. Só havia um grande problema: Mes Aynak fora um campo de treinamento da Al-Qaeda e lar de Osama bin Laden. Ainda estava minado.

Mas, com Philippe operando o drone e Yves controlando a câmera do chão e filmando manualmente com uma câmera montada num mastro alto, eles fizeram o levantamento da área inteira em dez dias sem pôr os pés no complexo. E conseguiram reconstituí-lo usando tecnologia digital com exatidão espantosa.

A conquista do sucesso

O sucesso da primeira expedição chamou a atenção de outros países que tentavam resolver seus problemas urgentes de conservação, além de atrair investidores. A Iconem foi fundada em 2013; em 2015, a Parrot, fabricante de drones, investiu 1,4 milhão de euros na empresa.

Por ser uma organização privada, a Iconem tem uma flexibilidade não permitida aos arqueólogos e outros envolvidos na conservação. Quando a comunidade internacional suspendeu toda a cooperação com a Síria, arqueólogos com emprego público não tiveram mais permissão de trabalhar lá. Mas a proibição não se estendeu à empresa de Ubelmann.

Em consequência, só ele teve acesso a alguns dos sítios mais importantes da Síria, como Palmira, a cidade da Rota da Seda que já foi bela e rica e quase destruída pelo Estado Islâmico nos últimos anos.

Ubelmann trabalhava na Síria desde 2006 e conhecia bem os arqueólogos, historiadores e cientistas. Quando o financiamento internacional e outros tipos de apoio à conservação secaram com o início da guerra civil em 2011, ele manteve o contato. “Eles se sentiram abandonados”, explica Yves. “Antes da crise, arqueólogos do mundo inteiro iam para lá. Da noite para o dia, tudo mudou: não havia mais ninguém.”

Mais tarde, o Estado Islâmico saqueou e destruiu antigos sítios e assassinou vários especialistas.

Com base em fotografias que os arqueólogos sírios lhe mandaram, Ubelmann e seus colegas da Iconem trabalharam durante a noite e nos fins de semana fazendo modelos até Yves receber o visto para ir à Síria em dezembro de 2015 ensinar fotogrametria aos especialistas locais.

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Então, no fim de março de 2016, Ubelmann recebeu um telefonema avisando que Palmira estava prestes a ser liberada do controle do Estado Islâmico. Rapidamente, ele comprou passagem para a Síria e pôde ver com os próprios olhos os danos causados a tesouros. “Nunca pensei que veria algo assim na vida”, diz ele. “Fiquei arrasado.” Mas, depois de examinar com mais atenção, ele percebeu que muitos prédios e decorações estavam intactos, e que poderiam, talvez, ser parcialmente remontados no futuro.

O trabalho da Iconem seria fundamental em qualquer restauração futura. Ubelmann tinha quatro dias para documentar o local.

Sediado em Homs, ele partia às seis da manhã com um grupo de especialistas sírios num micro-ônibus surrado para a viagem de três horas até Palmira, com postos de controle na estrada do deserto.

Ainda havia minas terrestres no local, e Ubelmann realizou o levantamento pelas bordas. O trabalho foi complicado e cansativo, mas valeu a pena. “Conseguimos digitalizar o sítio inteiro. Foi uma grande vitória.”

O que torna seu sucesso ainda mais importante foi o fato de que, alguns meses depois, o Estado Islâmico voltou a ocupar Palmira. Felizmente, foram expulsos outra vez em março do ano passado. Ubelmann espera que, algum dia, as provas de destruição que recolheu também sejam utilizadas para entregar os responsáveis à justiça.

A importância do trabalho feito pela Iconem

No Iraque, a capacidade da Iconem de reagir depressa também trouxe dividendos. A empresa conseguiu levar um drone por 20 quilômetros em território controlado pelo Estado Islâmico para fotografar a antiga cidade assíria de Nimrud dias depois que o grupo demoliu o Templo de Nabu, de 2.600 anos.

Entre as imagens que a Iconem fez de Nimrud há um zigurate, uma imensa torre de base quadrada construída em terraços que o Estado Islâmico arrasou pouco depois. “Temos a única imagem tridimensional do zigurate em sua geometria original”, explica Ubelmann. “Se algum dia o governo iraquiano ou a Unesco ou alguém quiser restaurá-lo na topografia original, poderá fazê-lo com base em nosso trabalho. Palmira e Nimrud demonstram como é útil executar esse trabalho bem depressa. Em ambos os casos, se não tivéssemos feito naquele momento, seria tarde demais.”

A Iconem não é a única a estar presente em Palmira. Outros projetos pretendem usar fotos, dados públicos e tecnologia computadorizada para “reconstruir” no ciberespaço a chamada Pérola do Deserto.

Jean-Luc Martinez, do Louvre, está convencido da importância do trabalho da Iconem. “Os arqueólogos sempre documentaram os sítios”, diz ele. “A tecnologia multiplicou-se e é usada pelos arqueólogos para recolher o máximo de dados possível e criar um registro abrangente. Hoje, a aliança controlada de duas tecnologias novas, o drone e um algoritmo que trata as imagens coletadas, é que permite à Iconem fornecer imagens preciosas para a documentação.”

Uma coisa é certa: o Projeto Patrimônio Sírio manterá a Iconem ocupada por muito tempo. Agora, Ubelmann quer ensinar mais arqueólogos locais a usar a fotogrametria e ajudar os moradores a entender como seu patrimônio cultural é precioso.

“Estou trabalhando para o futuro, não para o passado”, diz ele. “Documento momentos da história que possam ser usados pelas próximas gerações.”

POR SUSANNAH HICKLING

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