Em janeiro de 2018, Emily Denstedt e seus colegas dos Gorilla Doctors caminhavam em fila indiana de manhã cedo no mato denso, entre as trepadeiras da
Em janeiro de 2018, Emily Denstedt e seus colegas dos Gorilla Doctors caminhavam em fila indiana de manhã cedo no mato denso, entre as trepadeiras da Floresta Impenetrável de Bwindi, em Uganda. Procuravam Buzinza, a matriarca do grupo Rushegura de gorilas-das-montanhas, porque temiam que ela tivesse quebrado o braço.
Os gorilas-das-montanhas tendem a se deslocar bastante e nem sempre é fácil achá-los. Era o segundo dia da equipe no rastro de Buzinza, e tiveram sorte. Só precisaram abrir caminho alguns minutos pela floresta e encontraram Buzinza e o resto da família – quase vinte gorilas – reunidos numa pequena clareira. Ela estava no chão comendo folhas enquanto o filhote de 3 anos se agarrava às suas costas.
Os Gorilla Doctors são um grupo internacional de cerca de 25 veterinários de animais selvagens, biólogos e pessoal de apoio dedicados a evitar que os gorilas-das-montanhas se extingam. A ONG atende às necessidades de saúde dos animais que moram nessa floresta e dos que habitam o vizinho Maciço de Virunga: três parques nacionais contíguos que atravessam as fronteiras de Uganda, Ruanda e da República Democrática do Congo.
Emily Denstedt, de 31 anos, entrou na equipe em 2017, três anos depois de terminar o doutorado em medicina veterinária no Veterinary College da Universidade de Guelph, em Ontário, no Canadá. “Sempre fui apaixonada pela medicina de animais selvagens”, diz a canadense.
Graves ameaças
Os gorilas-das-montanhas sempre enfrentaram a destruição de seu hábitat e a caça ilegal nas mãos dos seres humanos. Eles morrem por causa de agitação civil e de conflitos militares; caem nas redes armadas por caçadores de antílopes; e correm o risco de pegar doenças respiratórias humanas. Em consequência, a população de gorilas-das-montanhas caiu para cerca de 300 a 400 indivíduos ao longo dos últimos trinta anos. Quando uma espécie corre risco tão grande, a sobrevivência de cada indivíduo importa. Uma situação grave assim exige “conservação extrema”.
Interferir ou não?
Para os Gorilla Doctors, conservação extrema significa proteger a espécie salvando um indivíduo de cada vez. Quarenta e dois grupos de gorilas habituados com seres humanos são monitorados continuamente durante o dia por rastreadores que os seguem pela floresta. Sua saúde também é acompanhada por veterinários locais, que examinam amostras de fezes e procuram sinais visíveis de doenças ou lesões, como emagrecimento, fraqueza, respiração difícil ou manchas na pelagem. Quando um gorila exibe qualquer um desses sintomas, a equipe discute se interfere ou não.
“Na verdade, só há dois casos em que fazemos a intervenção”, explica Denstedt. “O primeiro é quando seres humanos foram responsáveis, como no caso de um gorila preso numa armadilha. O segundo é quando temos certeza de que o animal não vai sobreviver sozinho. Fora isso, deixamos a natureza seguir seu curso.” Além de soltar gorilas de armadilhas e tratar os ferimentos subsequentes, os Gorilla Doctors intervêm com mais frequência para cuidar de infecções respiratórias graves e lesões causadas por conflitos entre os próprios animais.
Ligação emocional
Embora Denstedt seja treinada para se concentrar na tarefa, ela acha impossível não criar uma ligação emocional com os animais que trata. “Todos os meus pacientes são importantes para mim”, conta ela. A semelhança entre gorilas e seres humanos provoca uma ligação ainda maior. “Quando eles nos olham, quase dá para sentir esse nível extra de compreensão e inteligência”, explica Denstedt. “Parece coisa humana.”
Os gorilas também se comportam como seres humanos. Denstedt conta que os gorilas jovens se esgueiram até um rastreador ou guia, tocam sua perna e saem correndo, como se brincassem de pique. Os gorilas não deveriam chegar tão perto de seres humanos, e os rastreadores ralham com esses jovens soltando grunhidos repetidos, que indicam, numa imitação de gorilês, que deveriam parar de se intrometer. Mas, como as crianças travessas do mundo inteiro, alguns ignoram a reprimenda e se esgueiram de novo.
“Há um nível de entendimento nos animais que talvez nunca consigamos decodificar”, revela Denstedt.
Às vezes, parece até que os gorilas sabem as intenções dos médicos. Em setembro de 2017, um filhote chamado Mayani, do grupo Rugendo, caiu na armadilha de um caçador ilegal na República Democrática do Congo. Os rastreadores conseguiram soltar Mayani, mas os Gorilla Doctors foram chamados para remover um pedaço de cordão de náilon que ficou bem apertado no punho do filhote.
Quando a equipe atingiu Mayani com o dardo anestésico, os machos do grupo ficaram agitados e agressivos. Mas Bukima, o macho dominante, não tolerou todo aquele machismo. Ficou andando de um lado para o outro entre a equipe dos Gorilla Doctors e os outros machos e vocalizou para que se acalmassem até que a equipe retirasse o cordão.
O incidente foi mais extraordinário ainda quando se considera que, dez anos antes, criminosos que derrubavam madeira ilegalmente para fazer carvão atacaram o grupo Rugendo e mataram sete dos doze gorilas da família, inclusive um macho adulto de 225 quilos. Bukima, agora no fim da adolescência, pode ter estado presente naquele evento, mas sabia que os médicos não fariam mal.
“Há um nível de entendimento nos animais que talvez nunca consigamos decodificar”, revela Denstedt.
por Marcello Di Cintio