Kevin Goes leu a carta outra vez. Seria piada? A carta vinha de uma agência de cobranças. Afirmava que ele devia 13.101,27 euros em aluguéis atrasados...
Redação | 24 de Abril de 2019 às 21:00
Kevin Goes leu a carta outra vez. Seria piada? A carta vinha de uma agência de cobranças. Afirmava que ele devia 13.101,27 euros em aluguéis atrasados… Mas como? Kevin, de 30 anos, sempre pagava o aluguel em dia. Mas ali estava seu nome, data de nascimento e número da previdência social holandesa. Só pode ser um erro, pensou.
Kevin pediu orientação aos amigos e publicou a carta em sua página no Facebook – e descobriu que conhecia uma mulher que trabalhava naquela mesma agência de cobrança. Ela lhe disse que a conta era de uma casa numa cidade que ficava a 185 quilômetros de Herlen, onde ele morava. A quantia também incluía ressarcimento de danos, porque o prédio fora usado para o cultivo da Cannabis. “Não fiz isso”, insistiu Kevin, incrédulo.
A mulher olhou a cópia escaneada do passaporte de Kevin no arquivo da agência. Todos os detalhes eram os dele, com exceção de uma coisa.
“A foto não se parece com você”, disse ela. Fora cortada e colada numa cópia escaneada do passaporte real, apresentada à imobiliária como documento de identidade. O impostor, então, parou de pagar o aluguel. Quando a agência notificou Kevin, o criminoso tinha sumido.
Nas semanas seguintes, Kevin passaria quase cem horas trabalhando para anular a dívida que nunca fizera, lutando contra o estresse.
Jornalista autônomo, Kevin acredita que tudo começou quando deixou empresas para as quais trabalhava escanearem seu passaporte. Ele nunca perdeu o documento, mas acha que os hackers podem ter acessado o sistema de informática de uma dessas empresas e furtado a imagem.
A experiência de Kevin foi apenas uma forma de furto de identidade – o uso das credenciais de outra pessoa para ganho pessoal, em geral financeiro.
Seu número de identificação tributária (também conhecido como número de identificação pessoal, número da previdência nacional, número do cidadão, número de registro nacional ou identificação do contribuinte, dependendo de onde você more), data de nascimento, detalhes do cartão de crédito, assinatura eletrônica, senhas, perfis do Facebook etc. – tudo isso pode ser obtido pelos criminosos.
“O furto de identidades digitais é um negócio lucrativo”, diz Barbara Hubner, porta-voz da Delegacia Federal de Polícia Criminal da Alemanha (Bundeskriminalamt, BKA).
“Os cibercriminosos vendem os dados em plataformas de vendas ilegais ou usam as identidades furtadas em seu benefício, em geral em golpes que envolvem a compra de mercadorias.”
Especialistas e estatísticas de alguns países europeus indicam que o furto de identidade está aumentando. No Reino Unido, o Cifas, órgão de prevenção de fraudes, disse que houve um pico no Reino Unido em 2017, com 174.523 casos declarados. Na Alemanha, 12% dos que responderam a uma pesquisa da Technology Review disseram, em julho de 2018, que foram vítimas desse crime. O impacto financeiro é grande. Um relatório de julho de 2017 da FICO, empresa global de software de análises, constatou que os prejuízos com fraudes de cartão de crédito – um tipo comum de furto de identidade – chegaram em 2017 a um recorde de 1,8 bilhão de euros em 19 países europeus.
E a questão não é só o dinheiro. De repente, as vítimas são obrigadas a limpar seu nome. Para Kevin, o trabalho de limpeza foi difícil. A agência de cobrança abandonou a ação contra ele pela primeira casa, mas um mês depois chegou outra carta, dessa vez pedindo 3 mil euros em aluguéis atrasados de uma casa em Amsterdã.
A agência insistiu no pagamento, e, quando protestou, ele recebeu uma intimação para ir ao tribunal. Perdeu dias de trabalho para ir à audiência em Amsterdã. “Por que me tratam como culpado quando sou a vítima?”, perguntou ele.
O estelionatário finalmente foi pego: quando tentava alugar uma terceira propriedade, o funcionário da imobiliária chamou a polícia. Mesmo assim, o processo seguiu no tribunal. Em dezembro de 2015, o juiz decidiu a favor de Kevin, mas só em junho de 2017 as dívidas feitas em seu nome foram oficialmente canceladas. “A gente não se sente mais seguro”, revela ele. “Tudo é aberto demais.”
A Comissão Europeia descobriu que cerca de 16% dos golpes de identidade envolvem o uso dos documentos de identificação.
A Comissão Europeia está tão preocupada que, em abril de 2018, propôs uma nova lei para aumentar a segurança dos documentos de identidade dos seus membros. Se aprovada, os documentos terão de incluir dados biométricos faciais e impressões digitais, como acontece agora com os passaportes, dificultando a falsificação. Uma porta-voz da Comissão Europeia disse à Seleções que isso também significa que seria mais fácil identificar os ladrões de identidade sempre que o documento for inspecionado, principalmente nas fronteiras.
Para ajudar a manter em segurança seu passaporte ou documento de identidade, guarde-o em lugar seguro e não ande com ele desnecessariamente; denuncie a perda na mesma hora e use cofres de hotel quando viajar.
Mas, como mostra a história de Kevin, não são só os documentos originais que contam. As cópias também podem ser utilizadas. Como se isso não bastasse, o número de identificação do contribuinte emitido pelo governo também pode ser usado por estelionatários.
Você perde o controle da segurança de seus documentos de identificação sempre que entrega uma cópia a uma imobiliária, um hotel ou um possível empregador. Os especialistas recomendam que você só lhes mostre o documento físico – ou, se realmente precisarem escaneá-lo, pergunte se podem cobrir seus dados pessoais. Também use proteção com senha quando armazenar cópias no computador.
Em janeiro de 2017, Therese Ramstad Moen, 30 anos, pediu ao banco o envio de um cartão novo para seu endereço em Oslo. Mas o cartão não chegou. Dias depois, ela recebeu a cobrança de uma loja eletrônica onde supostamente comprara mercadorias a crédito no valor de cerca de 2 mil euros. Na Noruega, os cartões de banco têm a fotografia do cliente e podem ser usados como documento de identidade para obter crédito em lojas, permitindo que o portador leve o produto na mesma hora. Ela foi até a loja e disse aos funcionários: “Não comprei nada disso.”
Nos dois dias seguintes, Therese recebeu mais cobranças. No total, diziam que ela devia cerca de 6 mil euros em sete lojas diferentes. Ela ligou para o banco e para a polícia. Ainda bem que não teve de pagar, porque a polícia pegou a mulher que furtara as informações de Therese e de mais 55 mulheres.
A ladra era enfermeira no Hospital Lovisenberg Diakonale, de Oslo, onde Therese fizera uma cirurgia um ano antes. Foi condenada a dois anos e meio de prisão e proibida de trabalhar como enfermeira por cinco anos. Therese acredita que as informações foram usadas para encontrar seu endereço e, então, furtar o cartão do banco da caixa de correio trancada no térreo do prédio de apartamentos.
O caso de Therese mostra que os ladrões de identidade adoram os correios – um tesouro de dados pessoais. Segundo John Webb, quem se muda muito fica ainda mais vulnerável, “principalmente quando se mora em imóveis com caixas de correio ou entradas compartilhadas”, explica. Escolher a cobrança por e-mail ajuda e, se você se mudou há pouco tempo, não se esqueça de redirecionar a correspondência. Procure não compartilhar informações nas mídias sociais sobre quando viajará de férias. “Isso pode ser um convite aos ladrões”, diz Webb.