2020 foi o ano em que os brasileiros mais pesquisaram sobre racismo. Saiba por que pensar sobre o racismo estrutural é necessário.
Desde 2020 os brasileiros têm pesquisado mais sobre racismo. E tentar entender o que é o racismo estrutural se mostrou uma das maiores preocupações de todos aqueles que não querem a perpetuação desse problema. Mesmo atingindo mais os mais pobres, o racismo estrutural chega até as classes mais altas, como podemos ver no caso sofrido pelos filhos da atriz Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso.
Isso provavelmente se deu porque, não bastasse a pandemia do novo coronavírus, 2020 também foi um ano marcado por diversos protestos antirracistas que eclodiram ao redor do mundo em plena crise santirária por conta do assassinato de George Floyd pelas mãos da polícia estadunidense.
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No Brasil tivemos a morte do menino João Pedro em maio de 2020, ocasionada pela polícia militar do Rio de Janeiro e que fez com que muitos também saíssem às ruas. E, infelizmente, esse não foi um caso isolado.
“Black lives matter” ou “vidas negras importam” foram gritados em todo o planeta.
Somando-se a esses casos fatais, o brasileiro também pôde refletir sobre o racismo por conta da presença do ator Babu Santana e da médica Thelma Assis dentro da casa mais vigiada do Brasil, o que levantou diversos debates nas redes sociais.
Fora isso, também tivemos casos como o do entregador do iFood que fora hostilizado em um bairro nobre em Valinhos, São Paulo.
Ou seja, não foram poucos os motivos que fizeram e fazem com o que o povo brasileiro repense o seu papel diante dessa que é a maior chaga da história brasileira, herança direta dos tempos da escravidão.
E talvez motivados por argumentos como o de Angela Davis, que diz que em uma sociedade racista não basta que as pessoas não sejam racistas, elas também precisam ser antirracistas, muita gente passou a se movimentar em prol de tentar mudar as coisas em sua vida.
O que é o racismo estrutural?
Como bem se sabe, o racismo é toda e qualquer discriminação, preconceito, atitude ou até mesmo ideologia baseada em critérios raciais, étnicos e culturais. Podendo ser manifestado de forma velada ou explícita, o racismo é considerado crime pela justiça brasileira.
O racismo tem por intuito subjugar o outro, sendo um mecanismo de poder. Motivo pelo qual, inclusive, não existe racismo contra brancos, o famigerado “racismo reverso”.
Caso você queira saber mais sobre o que é o racismo, a gente tem essa matéria aqui, que além de explicá-lo, também fala sobre antirracismo.
Isto posto, o racismo estrutural é o modo como se chama a naturalização do racismo e suas práticas no dia a dia da sociedade.
Segundo o advogado, filósofo e professor Silvio Almeida, “a gente costuma tratar o racismo como uma anormalidade. O que a noção de racismo estrutural coloca é que o racismo não é algo anormal, é algo normal. (…) o racismo, independente de a gente aceitar ou não, constitui as relações no seu padrão de normalidade”.
Ou seja, o racismo estrutural acontece ao encararmos as práticas racistas como coisas costumeiras, sejam elas ações conscientes ou inconscientes, validando assim o racismo, como se disséssemos é assim mesmo, não tem outro jeito, e com isso, reforçando essa estrutura, esse “funcionamento normal da vida cotidiana”, que esmaga muita gente diariamente.
O racismo estrutural na prática
Podemos encontrar exemplos do racismo enquanto estrutura em várias situações presentes no dia a dia da sociedade brasileira. Do reforço de estereótipos, passando por preconceitos tidos como senso comum, a consequências da desigualdade social.
Hoje em dia se discute à beça sobre representatividade em diversas esferas, como por exemplo na televisão brasileira. Das novelas aos telejornais. Mas se atualmente a quantidade de pessoas negras em posição de destaque ainda é parca, no passado as coisas eram bem piores.
Nas novelas brasileiras quase não tinham personagens negros. E quando tinha, normalmente esses personagens eram empregados, seguranças ou criminosos. E “ninguém” via o quanto isso era problemático. Recentemente a jornalista Maju Coutinho se tornou a primeira mulher negra a apresentar o Jornal Nacional. Só que isso depois de 50 anos em que a primeira edição do telejornal fora ao ar.
No que diz respeito à desigualdade social, a maioria das mulheres negras não têm trabalho remunerado. Além disso, dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2016 nos mostram que mulheres brancas recebem 70% a mais do que mulheres negras.
E como mostramos nesta matéria, a falta de representatividade negra entre economistas não só é gritante, como afeta diretamente as políticas públicas do país.
E para piorar, no Brasil o coronavírus tem se mostrado ser mais letal para a população negra.
Agora, se pararmos para pensar que de acordo com dados do IBGE, 54% da população brasileira se identifica como negra (ou seja, pretos ou pardos), essas informações ganham outra dimensão.
E esses poucos exemplos nos mostra como o racismo é recorrente e normatizado na nossa sociedade, tecendo assim uma espécie de estrutura, condicionando a mesma.
Por que pensar sobre o racismo estrutural é importante?
Pensar sobre o racismo estrutural não só é importante, como necessário. Se queremos uma sociedade mais justa e menos desigual, precisamos pensar em medidas efetivas que confrontem essa estrutura.
Temos nas cotas raciais universitárias um belo exemplo de ação que teve sucesso. Em 2012, quando a lei foi promulgada, os estudantes negros eram apenas 20,5% dos universitários brasileiros. Hoje, oito anos depois, os alunos pretos e pardos já são 47,4% do total. Um avanço e tanto!
Entretanto, ainda há muito a ser feito. A população negra ainda é a parcela mais pobre da sociedade. A população negra ainda é a que mais morre. Sobretudo, por meio da violência. E isso não causa espanto.
Como mostramos nesta matéria, o suicídio entre jovens negros é maior do que entre os brancos. E esse é apenas um dos efeitos do racismo na saúde mental da população negra.
A normalização de todos esses problemas que acometem a comunidade negra precisa acabar.
Pensar políticas públicas, como as já mencionadas cotas raciais universitárias, é uma medida que se mostra necessária para que possamos derrubar as vigas que fazem dessa tecnologia que é o racismo tão forte.
Só assim não teremos caso como o da fundadora da Nubank dizendo que não é fácil contratar um bom profissional negro; só assim vamos diminuir a diferença colossal que há entre parlamentares brancos e não-brancos na política brasileira; só assim não precisaremos puxar com muita força na memória todas vez que nos perguntarem quantos professores ou médicos negros tivemos na vida.
Se queremos um outro modelo de sociedade, mais justo e cada vez menos desigual, as coisas precisam mudar. E isso precisa acontecer na base dessa estrutura. Afinal, o racismo não é um problema dos negros, o racismo é um problema da sociedade.