Os incêndios florestais causam terror nas pessoas e nos animais, além da destruição maciça das plantas. Saiba mais sobre as queimadas!
Mariana Valle | 28 de Outubro de 2021 às 10:00
Os incêndios florestais causam terror nas pessoas e nos animais em seu caminho, provocando a destruição maciça das plantas consumidas por suas chamas. Mas as queimadas decorrentes de raios ou atividade vulcânica são parte da natureza. O incêndio é um desastre ao qual a vida selvagem teve de aprendera sobreviver – e em alguns casos ele se tornou essencial para a sobrevivência.
No Cabo Ocidental, na África do Sul, uma comunidade de plantas chamadas fynbos depende dos incêndios, em geral iniciados por raios. Depois deles, vê-se uma paisagem queimada e carbonizada, mas, ao reduzir as plantas a cinzas, o fogo devolve valiosos minerais ao solo não muito fértil. As sementes germinam, estimuladas pela fumaça e pelo calor, e logo as plantas estão vicejando com flores coloridas. Em uma escala de tempo mais longa, as ígneas erupções vulcânicas deram à Terra alguns de seus solos mais ricos e férteis.
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Uma corrente de ar de grande altitude que normalmente sopra através da Islândia e do extremo norte da Europa moveu-se inesperadamente para o sul no início do verão de 2007. Esse desvio na corrente de jato ocidental e de fluxorápido – talvez causado por uma mudança climática – teve importante impacto no clima europeu. Soprando pelo centro do continente, causou chuva e enchentes nas ilhas Britânicas, nos Países Baixos e na Alemanha, enquanto a zona quente de alta pressão que caracteriza o verão na Europa Central foi empurrada mais para o sul, para uma região que já estava naturalmente quente. Ela concentrou-se na península Ibérica, causando o verão mais quente em 50 anos em todo o sul da Europa.
Na Grécia, houve numerosas queimadas. Uma das mais destrutivas começou em 28 de junho no Parque Nacional de Parnitha, ao norte de Atenas. Em alguns dias, destruiu 5.600 hectares de floresta. Em 15 de julho, mais de 100 queimadas haviam sido relatadas nas ilhas e na parte continental da Grécia. O Peloponeso em particular foi gravemente afetado, com incêndios alastrando-se até o mês de agosto.
No fim de setembro, quando as chamas afinal haviam sido extintas, pelo menos 68 pessoas tinham morrido e 6 mil estavam desabrigadas. Quase 300 mil hectares deterras selvagens haviam sido queimados. Não foi uma onda de calor que causou as queimadas. Raios iniciaram alguns focos, mas suspeita-se de que a maior parte do restante tenha sido obra de incêndios criminosos – presume-se que para desocupar terras protegidas para o desenvolvimento. Mas não resta dúvida de que o calor incomum do verão ajudou as chamas a se alastrarem mais longe e mais rápido do que normalmente teriam feito. Os especialistas se perguntaram se as florestas devastadas seriam capazes de se recuperar e, em caso afirmativo, com que rapidez.
As queimadas não são desconhecidas das florestas mediterrâneas, que são dominadas por pinheiros, cuja resina é inflamável. Elas não dependem do fogo, como algumas florestas do mundo, mas os raios sempre foram um fator em sua evolução. Se um raio cai e uma área da floresta se queima, ela reaparecerá à medida que plantas e animais recolonizarem a área devastada. Estudos sobre como isso acontece mostram que as plantas com invólucros duros e à prova de fogo, como a esteva rosa, tendem a ser as primeiras a entrar em equilíbrio. Um estudo na Grécia concentrou-se em uma antiga floresta de pinheiros-de-alepo com um sub-bosque de carvalho. Aí, a esteva rosa apareceu logo após o incêndio, seguida quase de imediato por fungos, que começaram a crescer nas raízes dos arbustos. Os fungos espalharam-se no solo, fornecendo alimento para plantas subsequentes.
Uma sequência similar ocorreu no Parque Nacional do Monte Carmelo, em Israel, que pegou fogo em 1989. Mudas depinheiros-de-alepo estavam entre as próximas plantas a criar raízes, seguidas por outras vegetações e por uma sucessão de animais, como insetos e roedores. As aves começaram a reaparecer em 1991. Cinco anos após o incêndio, pesquisadores descobriram que a área queimada tinha 11 ordens de organismos microscópicos vitais no solo, em comparação com 20 em uma área preservada próxima. Eles concluíram que a floresta levaria cerca de 50 anos para voltar a ser o que era.
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Meio século pode parecer muito tempo para se recuperar de alguns dias de chamas, mas ao longo dos milhões de anos que um sistema florestal leva para se desenvolver, não há muita diferença entre 2 dias e 50 anos. O problema é que 50 anos correspondem à maior parte da vida humana, e uma área de floresta queimada começará a se parecer com terra devastada permanente, propícia à exploração pelas construtoras. Por isso os pesquisadores têm testado formas de acelerar o processo.
No monte Carmelo, eles demarcaram três lotes de terra queimada. Removeram os remanescentes de floresta enegrecida de um deles; em outro pegaram apenas os troncos maiores, deixando galhos e outros detritos; o terceiro deixaram como estava. À medida que os anos passavam, era possível avaliar qual lote estava se regenerando mais rápido. Constatou-se que era o lote deixado intacto e que os esforços rudimentares para acelerar o processo eram menos eficazes do que não fazer nada. Em um estudo mais longo, cientistas no noroeste dos EUA chegaram à mesma conclusão.
Todos os anos, milhões de hectares de floresta são afetados por incêndios florestais nos EUA – e mais do que o normal desde o começo do aquecimento global. As madeireiras com acesso a essas florestas costumam remover a madeira queimada e desobstruir inteiramente a área. Elas então plantam novas mudas. Isso pouco contribui para a diversidade das florestas e provavelmente nem sequer é eficiente na produção de madeira nova. Na área de drenagem do rio Klamath, no norte da Califórnia e no sul do Oregon, deixou-se que vários lotes de floresta que haviam queimado em 1987 se regenerassem naturalmente. Quando os cientistas inspecionaram esses lotes em 2006, descobriram que mudas ainda estavam brotando e que as florestas já estavam mais densas do que aquelas que haviam sido plantadas 60 ou mesmo 100 anos antes. A natureza sabe cuidar de si mesma.
Para o povo masai, da África Oriental, as queimadas são parte do modo de vida tradicional. Há séculos eles vivem como vaqueiros nômades, que migram pelo território do Quênia e da Tanzânia da mesma forma que os animais selvagens que se alimentam de grama ao lado dos quais vivem. Para esses vaqueiros, terra sem grama é inútil, por isso costumam atear fogo a árvores e arbustos que nela crescem. Também queimam a grama, a fim de enriquecer a pastagem. Isso convém tanto aos animais que se alimentam de grama quanto aos masai. Os predadores desses animais também têm vantagens, desde quenão ataquem as vacas dos vaqueiros – e muitos aprendem a não fazê-lo. Para os masai e muitas das criaturas que partilham seu ambiente, as queimadas não são um desastre ao qual se deve sobreviver, mas um antigo elemento de sobrevivência.
O uso controlado de queimadas não se restringe aos masai. Em muitos lugares os agricultores queimam os remanescentes da colheita quando preparam os campos para novas sementes. As plantações de trigo da América do Norte, por exemplo, beneficiam-se das queimadas controladas, embora o tamanho das plantações, combinado com o clima mais seco, torne a prática arriscada.
Em regiões áridas da América do Norte, da Austrália e da África do Sul, as queimadas controladas são amplamente usadas como instrumento de gestão das florestas. Elas estimulam ocrescimento de matas, rejuvenescem os pastos e ajudam a prevenir incêndios florestais, que são uma ameaça a comunidades rurais. Para iniciá-las, guardas-florestais empregam lança-chamas que liberam jorros de combustível inflamável em regiões específicas apartir de um veículo terrestre ou de um helicóptero. Em alguns casos, árvores e arbustos são derrubados e queimados onde caem. Na Europa, o uso de queimadas controladas aumentou, após uma série de incêndios florestais devastadores destruir imensas áreas de florestas, como aconteceu em Portugal em 2003.
Com a possível exceção dos machados de pedra, o controle de incêndios é provavelmente a tecnologia humana mais antiga, e causa imenso impacto na paisagem. Como tecnologia, é mais antigado que nossa própria espécie: fogueiras fossilizadas consideradas prova do controle do fogo remontam a pelo menos 400 mil anos – muito antes da aparição do Homo sapiens –, quando o hominídeopredominante era o Homo erectus. Antropólogos encontraram na África indícios de fogueiras de 1,5 milhão de anos, o que indica que a tecnologia pode remontar ao australopiteco, hominídeo semelhante ao chimpanzé.
Nossos ancestrais devem ter usado o fogo tanto para incendiar paisagens, como para objetivos domésticos mais simples, como cozinhar e se aquecer. A primeira experiência deve ter ocorrido com incêndios iniciados por um vulcão ou por um raio. Eles devem ter notado que os animais que não conseguiam escapar e eram queimados ficavam mais fáceis de serem consumidos, mais saborosos e a carne se conservava por mais tempo. Alguns vegetais – em particular tubérculos – eram amolecidos pelo calor e se tornavam comestíveis.
Além disso, quando um incêndio ardianas proximidades, a caça ficava mais exposta: bastava segurar os animais que passavam correndo, ou matá-los com lanças ou a pauladas. O ser humano não precisou ser muito mais esperto do que outras criaturas para perceber que podia usar o fogo segundo a própria conveniência. Há relatos – embora não confirmados cientificamente – de aves de rapina australianas tirando graveto sem brasa de incêndios na savana e jogando-os em savana não queimada para forçar pequenos animais a sair das tocas.
Com o passar dos milênios, o uso do fogo transformou-se quase em uma forma de arte em algumas culturas. Em 1936, H. H.Finlayson, curador honorário do South Astralian Museum, estava em uma missão para coletar espécimes de alguns dos mamíferos mais raros da Austrália. Durante a viagem, encontrou um grupo de aborígines que sabiam onde encontrar os pequenos e quase extintos marsupiais chamados maala. Eles o levaram a uma área do deserto ao sul dos Musgrave Ranges, na divisa do sul da Austrália com o Território do Norte, onde encontraram algumas pegadas de maalas na grama. Eles então pararam e esperaram o vento mudar.
Quando as condições eram adequadas, os anciães da tribo acenaram com a cabeça para alguns jovens do grupo, que fizeram uma ampla fogueira em forma de ferradura, com o vento soprando nela como se soprasse uma vela de navio. O objetivo era evitar que a ferradura se fechasse rapidamente e se transformasse em um cobertor de fogo. Ao contrário, ela se movia devagar na direção deles, mantendo sua forma. A maioria dos pequenos animais na grama enfiou-se no solo embaixo do fogo, mas, como os aborígines sabiam, os maalas usam “alçapões” em vez de tocas, por isso tinham de sair da grama e mover-se para adiante das chamas. Quando o faziam, os caçadores – em pé dentro da ferradura – pegavam-nos. Finlayson escreveu: “É o esporte deles, seu espetáculo, e sua forma de obter carne ao mesmo tempo”.
Queimadas como essas eram mais do que conveniência ou entretenimento. Em conjunto com fatores como mudança climática, as queimadas controladas pelo homem modificaram ecossistemas inteiros, transformando densas florestas em florestas ralas, e estas em pasto aberto ou vegetação rasteira e brejos. Ecossistemas sensíveis ao fogo tornaram-se dependentes dele. Onde outrora os incêndios florestais eram catástrofes raras, o uso do fogo pelo ser humano fez deles um evento mais comum, com o qual a vida selvagem do lugar tinha de conviver.
As plantas que não conseguiram resistir à fumaça e às chamas fracassaram, deixando plantas resistentes que tinham alguma proteção. A essas sobreviventes juntaram-se plantas pioneiras que exploravam os espaços abertos criados pelas queimadas – elas eram capazes de crescer rapidamente em solo fertilizado pelas cinzas. Sem novos incêndios, os ecossistemas acabariam revertendo a algo parecido com o ecossistema original sensível ao fogo – o que os ecologistas chamam de comunidade clímax. Mas com o ser humano provocando mais incêndios, por acaso ou de propósito, isso não era possível em muitos lugares. Surgiram comunidades de vida selvagem que de fato necessitavam de incêndios para manter o equilíbrio de plantas e animais dentro delas.
Nos últimos 150 anos mais ou menos, conservacionistas nos países ocidentais fizeram grandes esforços para preservar hábitats e paisagens rurais em face do invasivo desenvolvimento humano. Apesar do papel fundamental dos incêndios causados pelo homem na criação dessas paisagens, durante um longo tempo julgou-se necessário protegê-las de queimadas, e os esforços se concentraram na erradicação dos riscos de incêndios. Mas em alguns ecossistemas, como o dos fynbos dependentes do fogo da África do Sul, o resultado dessa política foi o oposto do esperado – as plantas na verdade tornaram-se mais raras dentro das reservas.
Em outras partes, esses esforços também se revelaram contraproducentes: eles criaram condições com probabilidade de produzir queimadas maiores e mais intensas. Mesmo os controles mais rigorosos e os aceiros não conseguem deixar um ambiente totalmente imune a queimadas acidentais ou naturais, sobretudo durante períodos de seca. Os planos de gestão da vida selvagem livre de incêndios acabam levando ao acúmulo de madeira morta e outros detritos vegetais, e quando as inevitáveis queimadas começam, os detritos fornecem combustível para criar um incêndio imenso. Incêndios florestais como esses são muito quentes e altos e podem ser intensos demais até para plantas resistentes ao fogo.