Montenegro é um país que consegue reunir em seu pequeno territórios praias de água cristalina, cultura, aventura e boa gastronomia!
Douglas Ferreira | 30 de Janeiro de 2022 às 15:00
Quando planejei uma viagem em família para Montenegro na primavera passada, me vi dizendo a amigos perplexos, que nada sabiam sobre o país dos Bálcãs:
“Imagine-se em Veneza, navegue pela costa do Adriático, olhe para a esquerda e pare antes de chegar à Albânia.”
No entanto, desde que o presidente Trump descreveu o país, em uma entrevista televisionada em julho do ano passado, como um possível estopim para a Terceira Guerra Mundial e os montenegrinos como “muito agressivos”, as perguntas mudaram de “Onde fica?” para “O que tem lá?”.
Para começar, há uma beleza natural dramática, que inclui as imponentes montanhas que cercam o litoral e inspiraram o nome Monte Negro no século 13.
Mais interessado em turismo – que responde por mais de 20% da economia – do que em guerra, Montenegro atraiu 2 milhões de visitantes no ano passado; mais de três vezes sua população, de acordo com o escritório nacional de turismo.
Uma declaração do governo em resposta à descrição de Trump mencionou a “política pacífica” de Montenegro, observando que nas Guerras dos Bálcãs nos anos 1990 o país foi “o único Estado em que a guerra não se espalhou durante a desintegração da antiga Iugoslávia”, da qual fazia parte.
Como neta de imigrantes de Montenegro e viajante frequente na região, minha experiência com a agressividade montenegrina limita-se a receber grandes porções de comida e à insistência para não deixar nada no prato.
No entanto, o presidente Trump não estava errado sobre o tamanho do país. O mais novo membro da Otan, que declarou independência da Sérvia em 2006, é de fato pequeno. Com menos da metade do tamanho da Bélgica, é diminuto, mas é o ideal para férias curtas.
“É difícil imaginar como um país tão pequeno pode ter tudo: parques nacionais, montanhas, praias, vida noturna, história, mosteiros ortodoxos!”, disse Nina Batlak, gerente de produto da Super Luxury Travel, de Dubrovnik, que oferece viagens a Montenegro. “Tudo isso cabe dentro de suas pequenas fronteiras.”
Muitos turistas partem de Dubrovnik, no litoral sul da Croácia, a cerca de uma hora de carro da fronteira. Mas descobrimos que pegar um voo para a capital, Podgorica, deixava-nos a uma pequena distância de várias atrações: Alpes Dináricos, ao norte, a costa do Adriático, ao sul, e os tesouros culturais da região central de Montenegro.
A maioria dos visitantes vem por causa do mar, muito popular entre russos e ucranianos em busca de clima quente. Em comparação com sua vizinha do outro lado do Adriático, Montenegro é “uma Itália mais acessível”, afirma Joanna Millick.
Cidades antigas, desde Herceg Novi, às margens da Baía de Kotor, até Ulcinj, cidade murada próxima à fronteira com a Albânia, pontilham o trajeto costeiro de 80 quilômetros. Muitas construções estão em andamento, sugerindo que um forte crescimento do turismo é esperado para breve. Encontramos equipes restaurando os palácios venezianos de frente para o mar em Perast. Esses palácios, junto com os fortes distribuídos ao longo da costa, testemunham a luta secular pelo controle dessa região estratégica pelas grandes potências marítimas do século 14 até meados do século 19. Montenegro só começou a retomar seu litoral das mãos de otomanos e austríacos no fim dos anos 1800.
Não que o turismo seja exatamente uma novidade. Afinal, nas décadas de 1960 e 1970, celebridades como Elizabeth Taylor e Sophia Loren passavam férias em Sveti Stefan, uma vila peninsular transformada em resort de luxo, agora administrada pela rede de hotéis Aman e ainda procurada pelas celebridades (o astro do tênis sérvio Novak Djokovic casou-se lá em 2014).
Entretanto, investimentos estrangeiros mais recentes impulsionaram sua expansão, com empreendimentos de luxo como Porto Montenegro, em Tivat.
À medida que se avança para o sul e mesquitas começam a se misturar a mosteiros, o tempo e o turismo parecem recuar. Em Stari Bar, antiga cidade fantasma que outrora foi negociada entre venezianos e turcos, andamos em meio a ruínas desertas.
Quando chegamos a Ulcinj, no extremo sul, tivemos a cidade murada praticamente só para nós; desde um museu de arqueologia, etnologia e artes, repleto de cerâmicas, moedas e entalhes da época dos romanos aos otomanos, até o novo restaurante de frutos do mar, Pirate, com vista para o Adriático.
Muitos turistas chegam de navio, atravessando a Baía de Kotor, que se assemelha a um fiorde, até a cidade murada de mesmo nome, que por muito tempo esteve sob domínio veneziano, com o leão alado de São Marcos em seu portão voltado para o mar como prova.
Ano passado, um site especializado em cruzeiros elegeu Kotor como o segundo porto mais popular do Mediterrâneo oriental.
Eis que nos encontramos em Kotor junto com milhares de passageiros de um navio da Celebrity Cruises, tirando fotos dos gatos de rua (mas evidentemente bem alimentados) que espreitam as praças de paralelepípedos e cochilam nas escadarias de pedra.
Uma série desses degraus sobe uma montanha até a fortaleza de São João, uma fortificação medieval improvavelmente protegida por muros de cerca de 300 metros de altura. É um posto difícil de se alcançar, mas que recompensa o esforço com vistas do pôr do sol sobre as montanhas que mergulham na baía.
Quando o navio partiu naquela noite, o romance retornou aos terraços dos restaurantes à luz de velas no interior das muralhas, e as tripulações dos iates, bebendo a cerveja local Nikšic’ko, encheram as mesas ao ar livre diante da torre do relógio do século 17.
Por trás das montanhas costeiras de Montenegro, passando por uma vertiginosa estrada sinuosa, encontra-se um país totalmente diferente; rústico, em grande parte subdesenvolvido e barato de verdade, como exemplificado pelo sanduíche de salsicha cevapcici de 15 centímetros de altura no Kole Restaurant, em Cetinje, por 2 euros.
Cetinje, a antiga capital do reino montenegrino, fundada no século 15, continua a ser o coração cultural do país. Um aglomerado de ruas de pedestres, onde estudantes de arte pintam ao ar livre, cerca uma série de museus nacionais. Um ingresso múltiplo (10 euros) permite a entrada em seis museus, incluindo o Biljarda; residência no século 19 do governante favorito de Montenegro, o poeta e filósofo Petar II Petrovic’ Njegoš. Ele morreu em 1851 e está sepultado num mausoléu monumental, no alto do monte Lovc’en, nos arredores da cidade.
Seu último governante, Nikola I Petrovic’ Njegoš, morou num palácio modesto em frente ao Biljarda até fugir do país, em 1916, na invasão das forças austríacas durante a Primeira Guerra Mundial. Agora conhecido como Museu do Rei Nikola, o palácio guarda uma variedade de tesouros, como antigas urnas chinesas, tapetes persas, espelhos venezianos, móveis indonésios e retratos de famílias reais da Europa. É um milagre que a coleção real tenha sobrevivido à ocupação de Montenegro na Segunda Guerra Mundial pelas forças italianas. “Ele era conhecido como o Sogro da Europa”, contou nosso guia com orgulho, explicando que cinco das filhas do rei tinham se casado com pessoas de famílias do continente, incluindo a princesa Elena, que se casou com um membro da família real italiana. “Como eles eram da família, os italianos preservaram a casa.”
Das ilhas costeiras aos vales alpinos, mosteiros ortodoxos estão espalhados por todo o país, muitos pintados com afrescos vívidos de santos de olhos grandes, retratando histórias da Bíblia. Os mais impressionantes, porém, encontram-se na região central de Montenegro.
O Mosteiro de Ostrog, por exemplo, foi construído na face de um penhasco a 900 metros de altura. Peregrinos descalços andam por um caminho ainda mais vertical, culminando em uma câmara escura, escavada na rocha, no mosteiro que abriga o túmulo de São Basílio, onde um sacerdote abençoava cada visitante individualmente. Os fiéis beijavam um ícone, ofereciam moedas e saíam do recinto, para não dar as costas para o local sagrado, passando por mosaicos colocados nas paredes do penhasco.
No norte alpino, encontramos ainda menos visitantes, comida mais substanciosa – incluindo um prato de batata e queijo chamado ka amak – e porções generosas. Um pedido de truta local no restaurante Konoba, em Kolašin, a principal cidade de esqui do país, resultou num par de trutas de 30 centímetros cada.
Muitas estradas para a região são íngremes, estreitas e pitorescas. Um exemplo é o trecho do norte de Podgorica ao longo do cânion do Rio Moraca até Kolašin. Uma nova rodovia, prevista para ser inaugurada em 2019, deve agilizar as viagens da cidade para as pistas de esqui. A ampla disponibilidade de hospedagem via Airbnb complementa os chalés de esqui de Kolašin e Žabljak, outra cidade de esqui próxima e porta de entrada para o Parque Nacional Durmitor, o maior dos cinco parques de Montenegro. Abastecemos nossas acomodações alugadas nas barracas à beira das estradas vendendo vinho, mel e queijo caseiros.
O Rio Tara, de águas turquesa, corta os Alpes Dináricos, criando o cânion mais profundo da Europa, com cerca de 1.300 metros. Passeios noturnos de rafting ocorrem na parte mais funda do cânion. Enquanto entre as populares excursões diurnas está descer corredeiras classes III e IV.
Por sugestão do nosso anfitrião do Airbnb em Žabljak, marcamos um passeio com a Rafting Tara–Triftar, dirigida por Goran Lekovic´. Nossa excursão parecia sintetizar Montenegro, com sua mistura de aposta empreendedora e hospitalidade sincera. Um motorista de van inescrutável – provavelmente limitado pela barreira do idioma – distribuiu roupas e botas de neoprene bem gastas para nós e um casal de mochileiros da Suíça.
No local de embarque no rio, guias rivais com rádios de emergência e músculos de competidores experientes partiam, estabelecendo um contraste gritante com nosso capitão, o próprio Sr. Lekovic´, que fumava sem parar, calçava mocassins e limitava suas instruções a “Equipe, reme!” quando nos aproximávamos das corredeiras. Apesar das aparências, ele navegou com competência pelo rio turbulento.
O almoço prometido na excursão acabou sendo um banquete caseiro composto de três pratos.
O rio desce em curva na seção norte do Parque Nacional de Durmitor, que abriga 48 picos acima dos 1.800 metros. Durante o feriado de maio, que comemorou os 12 anos da independência de Montenegro, percorremos caminhos pouco utilizados mas bem sinalizados; cruzamos riachos, passamos debaixo de cachoeiras e fizemos piqueniques em rochedos à beira do lago em bosques de pinheiros perfumados. “País novo”, sorriu a atendente no guichê de entrada do parque. “Mas lugar antigo.”
Habitado, devo acrescentar, por pessoas curiosas sobre os estrangeiros, mas não agressivas em relação a eles.
Existem aeroportos em Podgorica e Tivat. Ou vá de avião até Dubrovnik, no sul da Croácia, e pegue um dos sete ônibus diários para Herceg Novi e Kotor, ou dois ônibus diários para Podgorica.
A rede ferroviária é limitada, mas o serviço de ônibus é confiável e acessível. Dirigir pode ser desafiador – muitas estradas são extremamente estreitas e coladas aos flancos das montanhas.
Em Podgorica, o Hotel Podgorica foi recentemente modernizado; quarto duplo a partir de 108 euros. Em Cetinje, La Vecchia Casa situa-se dentro de um jardim exuberante; quartos por cerca de 35 euros. Em Kotor, o Hotel Astoria ocupa um palácio do século 13 restaurado; quartos a partir de 125 euros.
O Pod Volat, localizado no centro de Podgorica, ao lado da torre do relógio otomana, serve cozinha tradicional local; pratos principais a 4-16 euros. Em Kotor, o Galerija, à beira-mar, serve culinária local e é especializado em frutos do mar; pratos principais a 7-20 euros. Em Cetinje, o Kole serve especialidades locais, incluindo carpa de água doce e carnes assadas no espeto recheadas com presunto defumado e queijo; pratos principais a 4-20 euros.