Os médicos não conseguiam explicar por que ele estava ficando cego de um olho. Conheça a surpreendente história de Dave Nitsche.
Dave Nitsche foi o tipo de garoto que não parava quieto. Adorava correr, pedalar e nadar. Em 2018, com 49 anos, já fizera mais de quarenta triatlos.
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Naquele ano, Nitsche, que mora na cidade canadense de Calgary, foi demitido do emprego numa revendedora de empilhadeiras. Ficar desempregado era ruim, mas lhe deu mais tempo para treinar. Pouco depois, em março de 2019, ele notou que havia algo errado no seu olho esquerdo. Certo dia, correndo pela rua perto de casa, os postes pareciam ondulados, e a visão periférica ficou mais estreita do que de costume.
O problema se intensificou na semana e meia seguinte, e ele foi ao optometrista. A profissional supôs que ele tinha um descolamento de retina – em outras palavras, que a camada fina de tecido no fundo do olho se deslocara e ficara sem oxigênio. Se ele não verificasse aquilo imediatamente, avisou, poderia sofrer cegueira permanente.
Nitsche em busca de socorro
Nitsche correu para o Hospital Geral de Rockyview, em Calgary, onde os médicos fizeram uma ultrassonografia do olho. Eles não conseguiram identificar a fonte do problema e pediram a opinião de outro médico. Depois, de mais outro. No total, Nitsche consultou oito médicos em duas semanas e fez meia dúzia de ultrassonografias. “Eu não entendia por que tantos exames. Estava ficando muito frustrado”, diz ele.
Enquanto isso, o olho ficou vermelho, como se estivesse sob pressão constante, causando dores de cabeça terríveis. Em abril, ele perdeu toda a visão do olho esquerdo. “A esperança se deteriorava de hora em hora”, diz ele.
Finalmente, um médico ligou para dizer que os exames tinham revelado um acúmulo incomum de líquido atrás do olho de Nitsche. Os médicos drenaram o líquido e o mandaram para exames, na esperança de revelar a causa da doença misteriosa.
Um novo mistério
No dia seguinte, antes que os exames ficassem prontos, o líquido retornou, junto com a pressão. Os médicos de Nitsche o fizeram sentar-se e lhe disseram que o olho era irrecuperável e que nunca mais enxergaria. Apresentaram-lhe duas opções: remover o olho e substituí-lo por uma prótese de vidro ou mantê-lo – com todas as dores de cabeça. A notícia foi angustiante, mas para Nitsche a decisão era fácil. “Vamos tirar o olho”, disse, “e tomara que seja o fim disso.”
No entanto, cerca de um mês depois da remoção do olho de Nitsche, o mistério se aprofundou. Um dos médicos lhe pediu um exame ósseo e, depois, que fosse a um especialista em pulmão. Nitsche ficou perplexo; ninguém mencionara nada errado com seus ossos ou seu pulmão. Ainda assim, obedeceu.
Na consulta, a especialista explicou que o exame tinha revelado um acúmulo de líquido entre o pulmão e a parede do tórax – uma surpresa para todos, porque Nitsche não sentia dor no peito. Naquele dia, a médica inseriu uma grande seringa em sua região lombar, drenou cerca de meio litro de líquido e o mandou para análise. Ela disse a Nitsche que entraria em contato dali a uma semana com o resultado, mas a ligação aconteceu no dia seguinte. “É melhor você vir aqui”, disse ela.
O terrível diagnóstico
No consultório do pneumologista, Nitsche recebeu a terrível notícia: tinha câncer de pulmão. “Como eu era muito ativo e não tinha nenhum problema de saúde grave, o diagnóstico foi um imenso choque”, diz ele, que também nunca tinha fumado. (Cerca de 15% dos pacientes com câncer de pulmão nunca fumaram; outros 50%, mais ou menos, deixaram de fumar antes do diagnóstico.) “Lá no fundo, eu pensava: como é que arranjei isso?”
No dia seguinte, Nitsche foi ao Dr. Gwyn Bebb, oncologista do Centro de Câncer Tom Baker, em Calgary. A mãe e a companheira, Sarah, foram com ele. “Foi bom ter gente na sala comigo, porque minha mente simplesmente desligou”, diz ele.
O Dr. Bebb explicou a situação. Os exames revelaram que o líquido do olho de Nitsche era canceroso, embora o tipo de célula não indicasse um câncer intraocular, como o retinoblastoma, que em geral afeta crianças, ou o melanoma do olho. Em vez disso, revelou um adenocarcinoma, um câncer que pode se originar praticamente em qualquer lugar.
Em geral, quando se espalha, diz o Dr. Bebb, o câncer de pulmão afeta o fígado, os ossos ou o cérebro. O caso de Nitsche era muito incomum, porque o câncer foi parar no olho. “Na verdade, não sabemos direito o que determina as células cancerosas a escolher o lugar para se instalarem”, diz o médico.
Uma boa notícia para Nitsche
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Felizmente, a análise do líquido canceroso de Nitsche também revelou uma notícia boa: a mutação de seu gene EGFR, envolvido no crescimento celular. Essa mutação é comum em pacientes com câncer de pulmão e cria uma via de tratamento, porque bloquear o EGFR pode impedir que o câncer cresça.
Se tomasse um medicamento chamado inibidor de EGFR, Nitsche poderia deter e até reverter a disseminação do câncer. “Não faz muito tempo, só tínhamos a quimioterapia”, diz o Dr. Bebb. Com a químio, informou ele, Nitsche talvez sobrevivesse um ano ou dois. Agora, os inibidores de EGFR podem ampliar a expectativa de vida em cerca de cinco anos.
Nitsche começou a tomar os comprimidos do inibidor uma vez por dia. A princípio, os efeitos colaterais foram graves: náusea, diarreia, acne, aftas. “Não foi nada divertido”, diz ele, “mas eu sabia que a alternativa era muito pior.”
Recomeço
Os inibidores funcionaram como esperado: em poucos meses, o tumor encolheu. “Agora a doença parece completamente sob controle”, diz o Dr. Bebb. Embora cerca de 80% dos pacientes com câncer de pulmão em estágio quatro, como Nitsche, morram dentro de cinco anos depois do diagnóstico, Nitsche está em remissão, ou seja, ele tem uma chance de ultrapassar esse marco.
Voltou a correr e pedalar, embora com menos frequência e intensidade do que antes do diagnóstico. Também é ativo em grupos de câncer de pulmão, defendendo o financiamento das pesquisas, incentivando os outros a se manterem ativos e lutando contra noções preconcebidas sobre sua doença.
“No minuto em que dizemos câncer de pulmão, todos perguntam: quanto tempo você fumou?”, diz ele. “Basta ter pulmão para ter câncer de pulmão.”
por Luc Rinaldi