Conheça a incrível história de superação de James McAvoy, o ex-presidiário que virou atleta profissional com a ajuda de um guarda da prisão!
Douglas Ferreira | 7 de Novembro de 2021 às 16:00
Certa tarde, em novembro de 2009, em meio aos halteres na academia de uma penitenciária das Midlands britânicas, o agente penitenciário Darren Davis estava de olho num preso: John McAvoy, um homem robusto e compacto com cara de bebê, que se exercitava numa máquina de remo.
Ele atravessou 10 mil metros de mar imaginário e se levantou, a camiseta encharcada de suor. Nenhum dos outros presos dava muita atenção ao rapaz de 26 anos. Mas Davis, veterano agente penitenciário e tutor de esporte e lazer da Penitenciária Lowdham Grange, perto de Nottingham, na Inglaterra, estava impressionado.
Davis, então com 40 anos, não sabia muita coisa sobre McAvoy. O condenado pouco falava desde que chegara três meses antes, vindo de uma penitenciária de segurança máxima no norte. Davis se aproximou. “Que velocidade você marcou?”, perguntou. McAvoy lhe disse o número que aparecera no visor da máquina. Davis assentiu, pediu licença e sumiu em sua sala.
Dois anos antes, John McAvoy fora condenado a prisão perpétua por formação de quadrilha, roubo e ofensa à integridade física com arma de fogo. Era um criminoso conhecido, com raízes familiares no roubo de bancos de alto nível que empurraram o garoto para o crime: o padrasto cumpre pena de prisão perpétua por assalto à mão armada e o tio participou do famoso roubo de barras de ouro da Brink’s-Mat em 1983. Primeiro ele ficou preso na unidade de segurança máxima da Penitenciária de Belmarsh, em Londres, e depois foi transferido para Lowdham Grange.
Para McAvoy, era apenas outra cadeia. Mas estar ali se mostrou um golpe de sorte. Porque Darren Davis não era mais um guarda da prisão. Alto e forte, com um tranquilo ar de competência, ele acreditava piamente na ideia de que todos merecem o benefício da dúvida e uma segunda chance. Essa foi uma das razões para ele se tornar agente penitenciário. “Sinto que faz parte de meu dever”, diz Davis, “ajudar a reabilitar indivíduos em sua ambição de mudar.” Não há sinal de cinismo nele, o que é bastante raro nessas circunstâncias. McAvoy notara que havia uma rixa entre Davis e outros guardas da penitenciária, que pareciam não saber como interpretar sua inocente positividade.
Davis foi à sua sala e, voltando com uns papéis impressos de seu computador, entregou-os a McAvoy.
– O que é isso?
– Os recordes atuais britânicos e mundiais de remo seco – disse Davis.
Com base no que acabara de ver McAvoy fizera aqueles 10 mil metros num tempo que satisfaria um remador olímpico –, Davis avaliou que alguns recordes mundiais de resistência estavam potencialmente ao alcance do detento. O recorde de 100 quilômetros peso-leve, talvez, ou até o recorde de distância em 24 horas.
– Será possível bater um recorde oficial com algo feito dentro de uma penitenciária? – perguntou McAvoy.
– Boa pergunta – disse Davis. Daria uma olhada.
Davis quebrara o gelo com John McAvoy no momento certo, pois o jovem presidiário estava prestes a falar. A precisar falar.
Duas semanas antes, McAvoy soubera que seu primo Aaron – seu melhor amigo no mundo – fora morto numa tentativa frustrada de assaltar um caixa eletrônico móvel. Depois de receber a notícia por telefone, McAvoy voltara à cela e fitara o teto. Se não estivesse na cadeia, provavelmente eu estaria com ele e teria morrido também, pensou. O fato ficara ali no ar um instante, e, no silêncio, uma ideia surgira.
O que tenho a mostrar na vida? Nada. Só causei angústia à minha mãe. Naquela noite, ele prometeu a si mesmo que mudaria de vida.
Bem, há muitas histórias de revelação na prisão. Mas, como McAvoy se abria pouco a pouco com Davis nos dias e semanas que se seguiram, contando-lhe a história de querer mudar, de dar uma virada, Davis guardou seu julgamento. Não zombou nem riu. Só escutou.
Quando surgiu uma vaga de trabalho na academia – para dobrar toalhas e limpar o equipamento –, McAvoy se candidatou e a conseguiu. Depois, começou a solicitar turnos que combinassem com os de Davis. “Não há mais ninguém na prisão com quem eu possa conversar sem ser sobre crimes”, disse-lhe McAvoy.
E os dois homens conversavam principalmente sobre esportes. Davis era um atleta de alto desempenho. Escalara picos na Groenlândia; ficara famoso por correr exaustivos 111 quilômetros num só dia; pedalara a Grã-Bretanha inteira; saíra nos jornais locais. McAvoy ficou impressionado. Ele descobriu que Davis levantara recursos para instituições de caridade com muitos de seus desafios extremos.
Sempre que se encontravam, Davis lhe dava conselhos sobre treinamento, nutrição, fisiologia humana. McAvoy absorvia tudo. Davis sabia usar sua influência sem se impor, pois acreditava que todos são capazes de mudar. Mas também sabia que ele não podia mudar ninguém, muito menos John McAvoy. “O ajuste da vida”, diz ele, “tem de vir de dentro.”
Em qualquer penitenciária há uma linha invisível entre presos e carcereiros. O “código do preso” inclui o princípio: “Não confie nos guardas nem naquilo que eles defendem.” Mas o código também se aplica ao outro lado. McAvoy se perguntou que preço Davis pagava, aos olhos dos colegas, por fazer amizade com ele.
Os dois discutiram acerca do que McAvoy seria capaz e fizeram um plano. Ele tentaria o recorde mundial de remo em 24 horas. Já havia começado a treinar distâncias menores e ficara surpreso ao ver como seu corpo reagia. “É algo dentro de mim que eu não sabia que tinha”, disse ele a Davis.
Enquanto isso, Davis pensava em como fazer aquilo acontecer. Tirar McAvoy da cela durante o dia inteiro violava o protocolo da penitenciária, quanto mais por 24 horas. Aquela era uma penitenciária de alta segurança categoria B.
Davis escreveu uma carta apelando ao diretor da instituição. Seria possível fazer uma exceção naquelas circunstâncias? O jovem detento demonstrava foco e determinação, dissera Davis ao diretor. Na verdade, ele estava decidido a se tornar desportista quando saísse da prisão. Então Davis acrescentara que o detento esperava levantar recursos para ajudar o Rainbows Children’s Hospice, que oferecia cuidados a crianças doentes. O diretor enfim concordou.
Alguns meses depois, no início do segundo trimestre de 2011, Davis e McAvoy acamparam na academia da penitenciária. Era dia de folga de Davis, mas ele foi assim mesmo para apoiar a tentativa de McAvoy de quebrar o recorde mundial. Pendurou um quadro branco para acompanhar o tempo e a velocidade de McAvoy e as calorias consumidas – os pormenores do extremo desempenho humano. Quando os outros presos terminaram seus exercícios no último período do dia, Davis empurrou uma bicicleta ergométrica e a pôs bem atrás da máquina de remo seco.
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Às quatro da tarde, Davis olhou nos olhos de McAvoy e contou: três, dois um. McAvoy puxou os remos para trás, e seus ombros se contraíram. Ele começou a remar. Logo atrás dele, em solidariedade, Davis passou a pedalar.
A noite caiu. O resto do pessoal foi embora, deixando McAvoy e Davis em sua missão particular. Fazia quatro anos que McAvoy não ficava fora da cela depois do anoitecer. A empolgação tomou conta dele. A meia-noite veio e passou, e ele voava.
Mas, por volta das duas da madrugada, algo aconteceu. McAvoy começou a mostrar sinais de que queria muito se deitar. Davis desceu da bicicleta e se agachou ao lado dele.
Realmente, quando a aurora chegou McAvoy ganhou novo fôlego. Conforme outros presos acordavam, correu na penitenciária o boato de que McAvoy ainda estava na máquina, e à frente da velocidade do recorde mundial.
No fim da manhã, o recorde estava à vista. Às duas da tarde McAvoy o bateu. Mas Davis continuava incentivando.
O novo recorde mundial oficial – 263.396 metros – foi devidamente registrado às 16h05 (em 2014, o recorde de McAvoy foi quebrado). Enquanto McAvoy descansava, encharcado e exausto, numa esteira azul ao lado da máquina de remo, Davis se voltou para ele e disse: “Você tem um dom. Não o desperdice. Pouca gente consegue se forçar e fazer o que você faz.”
Então McAvoy, as costas rígidas como gesso, voltou à cela. Os outros presos explodiram em aplausos quando ele entrou na ala. Foi a primeira vez que John McAvoy obteve respeito por algo que não envolvia apontar uma arma para alguém.
Hoje, McAvoy compete como triatleta. Ele sabe a sorte que teve por conhecer Davis, seu sensei, no outro lado da lei. “Davis é o homem que me pôs no caminho da mudança”, diz ele.
Mas, para Davis – o guarda e o homem –, a virada de McAvoy não surpreende. Afinal, Davis acredita que “não importa quanto avançamos pela estrada errada; nunca é tarde para voltar atrás”.