O Flautista de Hamelin está entre os contos populares europeias mais tristes. A lenda, porém, é mais do que mera ficção.
Crianças de todo o mundo conhecem a história do Flautista de Hamelim. O famoso conto começa com o desespero do povo de Hamelin. Suas casas fervilhavam de ratos e nada os expulsava. Então um desconhecido apareceu oferecendo-se para livrar a cidade dos ratos – por um preço. As pessoas concordaram e o homem vestido com estranhos trajes sacou uma flauta e começou a tocar. Em transe, os ratos seguiram o músico até o rio, onde se afogaram. A cidade comemorou, mas o prefeito recusou-se a pagar o combinado. Irritado, o flautista tocou uma vez mais, desta vez levando embora as crianças, que nunca mais foram vistas.
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O Flautista de Hamelin está entre as lendas populares europeias mais tristes. A lenda, porém, é mais do que mera ficção. Algo muito traumático realmente aconteceu na cidade alemã de Hamelin – existem documentos que mencionam o fato. Podemos até indicar o dia em que ocorreu.
A data foi há muito lembrada numa inscrição feita no vitral, hoje perdido, de uma igreja de Hamelin. Dizem que o vitral trazia a imagem de um flautista, acompanhada das palavras:
No ano de 1284, no dia de João e Paulo, a 26 de junho, chegou a Hamelin um Flautista colorido e levou consigo 130 crianças.
A primeira referência escrita ao flautista pode ser encontrada no livro dos estatutos de Hamelin. A partir de 1351, todas as proclamações estão datadas de acordo com os “anos depois que nossas crianças se foram”.
Outra referência é encontrada no Manuscrito de Lüneburg de 1450, que fala de um jovem que “começou a soprar por toda a cidade numa flauta de prata de formato admirável”.
Quem era o flautista?
Nem sempre os “flautistas” medievais tocavam flauta: muitos tinham apitos ou gaitas-de-foles. No fim da Idade Média, às vezes os músicos eram contratados para comemorações cívicas (não é por acaso que o desconhecido na história é contratado pelo prefeito). A descrição do flautista de Hamelin à frente de uma parada indisciplinada de ratos pode ser uma memória popular desse papel.
Quanto aos trajes coloridos do flautista, isto não é apenas um embelezamento da história. Roupas multicoloridas eram um símbolo de classe social inferior e eram usadas por outros “artistas”, como bobos da corte e carrascos.
Na Idade Média, os flautistas eram discriminados. Desprezados por seu modo de vida itinerante e vadio, chegavam a ser impedidos de receber comunhão. Eram também perigosos. Em 1476 houve uma revolta em Würzburg liderada por um tal “flautista de Niklashausen”.
Não havia ratos na história até o século XVI. Como a Europa foi varrida pela peste, não teria sido difícil estabelecer uma conexão entre o flautista que trouxe problemas e o animal que trouxe doenças. Em todo caso, na primeira versão completa da lenda, impressa em 1556, o flautista é descrito como um exterminador de ratos. Foram os irmãos Grimm, com seu gosto pelo macabro, que ligaram a expulsão dos ratos ao destino das crianças.
Mas o que houve com as crianças de Hamelin?
Alguns autores acreditam que a história trata de uma epidemia – a peste bubônica, transmitida por ratos. As crianças podem ter sido retiradas da cidade por motivos de quarentena.
Outros pensam que elas podem ter se juntado à “Cruzada das Crianças” de 1212. Milhares de crianças partiram para a Terra Santa; muitas foram vendidas como escravas ou morreram na viagem.
Uma nova teoria foi proposta pelo historiador Juergen Udolph. Ele acredita que muitos cidadãos foram persuadidos a deixar Hamelin e a se estabelecer perto de Brandenburgo. Udolph descobriu que havia famílias lá com os mesmos nomes dinásticos de Hamelin. Como na Alemanha do século XIII os moradores dos núcleos urbanos eram conhecidos como as “crianças da cidade”, talvez a história seja uma parábola do exílio de uma vila inteira, e não apenas das crianças.
No entanto, permanece o marco daquela data, 26 de junho de 1284, quando 130 crianças aparentemente se perderam. Terá sido algum terrível acidente ou crime, doloroso demais para ser lembrado diretamente? O povo de Hamelin recordou aquele dia pelas gerações posteriores – e responsabilizou o flautista.