Extermínio de insetos coloca em risco a vida no planeta

Insetos são polinizadores e recicladores vitais de ecossistemas de todos o planeta saiba como o extermínio deles pode impactar o futuro da vida na Terra.

Douglas Ferreira | 1 de Outubro de 2019 às 14:00

Filip_Krstic/iStock -

Os insetos são os polinizadores e recicladores vitais de ecossistemas e a base de teias alimentares em todos os lugares. Nos Estados Unidos, cientistas observaram a população de borboletas-monarca diminuir 90% nos últimos 20 anos; a de mamangabas foi reduzida em 87% no mesmo período.

Essa impressão era tão comum que os entomólogos a chamaram de fenômeno do para-brisa. Este nome foi pensado por ter sido assim que muita gente se deu conta de que não estava vendo tantos insetos quanto antes.

Para testar o que havia sido a princípio uma suspeita frágil, mais de 200 outros dinamarqueses começaram a percorrer estradas secundárias em seus carros equipados, como parte de um estudo conduzido pelo Museu de História Natural da Dinamarca; um esforço conjunto da Universidade de Copenhague, da Universidade de Aarhus e da Universidade Estadual da Carolina do Norte.

Quando começaram a planejar o estudo em 2017, os pesquisadores não tinham certeza se alguém iria se inscrever. No entanto, quando as redes estavam prontas, o trabalho de uma sociedade entomológica alemã havia colocado o problema do declínio de insetos sob um foco nítido. O estudo descobriu que, medida por peso, a abundância total de insetos voadores nas reservas naturais alemãs diminuíra em 76% em apenas 27 anos. Manchetes em todo o mundo alertaram sobre um “Apocalipse dos insetos”.

Dias depois de anunciar o estudo sobre os insetos, o Museu estava recusando dezenas de voluntários ansiosos. Parecia haver pessoas que haviam notado uma mudança mas não entendiam seu significado. Neste ano, mais 200 voluntários estão participando do estudo.

Como os insetos simplesmente desapareceram?

Os insetos são um lembrete de quão pouco sabemos sobre o que está acontecendo no mundo ao nosso redor. Batizamos e descrevemos uma gama espantosa de lacerdinhas, traças, formigas-leão, cigarrinhas e outras imensas famílias de insetos. Sobre aqueles que acreditamos conhecer bem, na verdade, não sabemos tanto assim; existem 12 mil tipos de formiga, mais de 20 mil variedades de abelha, quase 400 mil espécies de besouro. E mesmo assim os entomólogos estimam que milhões de espécies são desconhecidas para a ciência.

Quando começaram a investigar o declínio dos insetos, os entomólogos lamentaram a ausência de informações sólidas do passado.

“Vemos centenas de indivíduos e achamos que está tudo bem”, diz David Wagner, entomólogo da Universidade de Connecticut, “mas e se houvesse 100 mil deles duas gerações atrás?”

Rob Dunn, ecologista da Universidade Estadual da Carolina do Norte, recentemente procurou estudos que mostrassem o efeito da pulverização de pesticidas sobre a quantidade de insetos que vivem em florestas próximas. Não encontrou nenhum. “Ignoramos questões realmente básicas”, admitiu ele.

Foram documentados declínios gradativos de insetos bem estudados, incluindo vários tipos de abelha, mariposa, borboleta e besouro. Na Grã-Bretanha, constatou-se que de 30% a 60% das espécies encontram-se em tendência de queda. Uma revisão de 2014 publicada na revista Science sintetizou as descobertas de estudos existentes e apurou que a maioria das espécies monitoradas apresentava uma redução de 45% em média.

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Pesquisadores que estudaram os peixes descobriram que eles tinham menos efemerópteros para comer. Ornitólogos continuaram a descobrir que as aves que dependiam de insetos para se alimentar estavam em apuros: oito em cada dez perdizes haviam desaparecido das fazendas francesas; quedas de 90% e 80%, respectivamente, nas populações de rouxinóis e rolinhas.

Os sinais, embora alarmantes, não foram suficientes para justificar grandes pronunciamentos sobre a saúde dos insetos como um todo. Foi então que surgiu o estudo alemão. Ele produziu exatamente o tipo de dados longitudinais que os cientistas procuravam, e não eram específicos para um só tipo de inseto. Os números indicavam um vasto empobrecimento de todo um universo de insetos.

O estudo não havia sido publicado em um periódico de grande prestígio e não vinha do departamento de entomologia de uma grande universidade, mas da Sociedade Entomológica de Krefeld, uma entidade alemã formada por uma mistura de entomólogos experientes e entusiastas amadores.

Sociedade Entomológica de Krefeld

Krefeld é uma cidade com casas de tijolos e jardins floridos, e um stadtwald – uma floresta e parque municipal. Perto do centro fica a impassível sede da sociedade cuja pesquisa causou tanta comoção. Fundada em 1905, a sociedade usa quase 560 metros quadrados de uma antiga escola de três andares como espaço de armazenamento. 

A sociedade de Krefeld é dirigida por voluntários, com entomólogos experientes constituindo cerca de um terço de seus 60 membros, outro terço com graduação universitária em áreas afins e os demais membros mais jovens em formação. Possui um conhecimento profundo sobre insetos, acumulado ao longo de anos do que se poderia considerar uma atenção obsessiva.

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Seus projetos frequentemente envolviam a montagem de redes que levam os insetos que passam voando a entrar em garrafas. Em 2013, os entomólogos de Krefeld confirmaram que o número total de insetos capturados em uma reserva natural era quase 80% menor do que em 1989 no mesmo local. Constataram declínios semelhantes em outras regiões.

Cientistas da Universidade Radboud, na Holanda, fizeram uma análise das tendências dos dados fornecidos por Krefeld. O estudo encontrou declínios compatíveis em 63 reservas naturais. “A comunidade de insetos voadores como um todo… foi dizimada ao longo das últimas décadas”, escreveram os autores.

Qual o impacto dos insetos para a vida na Terra?

ErikAgar/iStock

Cientistas tentaram calcular os benefícios que os insetos proporcionam. Trilhões de insetos polinizam cerca de três quartos de nossas colheitas de alimentos; um serviço que pode valer 500 bilhões de dólares por ano. Quando comem e são comidos, os insetos transformam plantas em proteínas e impulsionam o crescimento de todas as espécies – incluindo peixes de água doce e a maioria das aves – que dependem deles para se alimentar, sem falar em todas as criaturas que comem essas criaturas.

Os insetos são vitais para a decomposição, que mantém o solo saudável, as plantas crescendo e os ecossistemas funcionando. Depois de introduzir o gado na Austrália na virada do século 19, colonos descobriram que o estrume das vacas estava levando meses, até anos, para se decompor. Em 1951, um entomólogo visitante percebeu o que havia de errado: os insetos locais, tendo evoluído para comer o excremento dos marsupiais, que era menor e mais fibroso, não conseguiam dar conta das grandes quantidades de estrume das vacas. Nos 25 anos seguintes, a importação e a liberação de dezenas de espécies de escaravelho se tornaram prioridade nacional.

O que aconteceria se os insetos desaparecessem?

Quando perguntados sobre o que aconteceria se os insetos desaparecessem por completo, os cientistas usam palavras como caos, colapso, apocalipse. O naturalista E. O. Wilson escreveu sobre um mundo sem insetos, onde a maioria das plantas e dos animais terrestres está extinta, e “a espécie humana sobrevive, capaz de recorrer aos grãos polinizados pelo vento e à pesca marinha”, apesar da fome em massa e das guerras por recursos. “Os sobreviventes rezariam pelo retorno das ervas daninhas e dos insetos”, acrescenta ele.

No entanto, os insetos não teriam de desaparecer de vez para sentirmos sua falta. No início dos anos 2010, o ecologista tropical Brad Lister retornou a Porto Rico, à floresta tropical de Luquillo, onde estudara lagartos e suas presas 40 anos antes. Lister coletou insetos nos mesmos lugares em que os encontrara nos anos 1970, mas dessa vez ele e seu coautor, Andres Garcia, pegaram de 10 a 60 vezes menos biomassa de artrópodes do que antes. (É fácil ler esse número como 60% a menos, mas o certo é 60 vezes menos: onde outrora capturou 473 miligramas de insetos, Lister agora apanhava apenas 8 miligramas.)

“Foi devastador”, disse-me Lister. Ainda mais assustadora, porém, era a maneira pela qual as perdas se moviam pelo ecossistema, com graves declínios no número de lagartos, rãs e pássaros. Depois que o estudo foi publicado, a caixa de entrada de Lister lotou com mensagens de outros cientistas, sobretudo estudiosos de invertebrados do solo, dizendo que estavam observando quedas igualmente assustadoras.

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Chris Thomas, ecologista especializado em insetos da Universidade de York, diz que os insetos, assim como outras espécies, estão reagindo à “transformação do mundo”: não só à mudança climática, mas também à conversão de espaços naturais em espaços humanos. A diversidade de insetos significa que alguns vão se adaptar aos novos ambientes, uns irão prosperar e outros, fracassar. Segundo Thomas, “a média entre todas as espécies ainda é o declínio.”

Desde a publicação do estudo de Krefeld, pesquisadores começaram a procurar outros repositórios de informações esquecidos que possam oferecer janelas para o passado. Roel van Klink, pesquisador do Centro Alemão de Pesquisa Integrativa em Biodiversidade, disse-me que tem procurado estudos de monitoramento de longo prazo – muitos dos quais começaram como estudos de pragas agrícolas (por exemplo: os gafanhotos no Kansas) – que poderiam ajudar a formar um quadro mais completo do que está acontecendo. Ele compilou dados de mais de 1.600 lugares e agora está trabalhando na análise estatística.

Há também iniciativas para montar mais esquemas de monitoramento de insetos. Um deles é um projeto-piloto na Alemanha, em que, para analisar o que é capturado, os pesquisadores recorreram a naturalistas voluntários com a amplitude de conhecimento necessária para saber o que estão buscando.

Dave Goulson, entomólogo da Universidade de Sussex, no Reino Unido, diz que a tradição europeia de naturalismo amador pode explicar por que tantas pistas para a queda na biodiversidade de insetos se originam lá. “Não saberíamos nada se não fossem eles [os naturalistas voluntários]”, disse-me Goulson. “Estaríamos nos baseando inteiramente no fato de não haver insetos no para-brisa.”

O quê está sendo feito para evitar a extinção?

Thomas acredita que essa tradição naturalista é também a razão pela qual a Europa está agindo muito mais rápido. Desde que os dados de Krefeld foram divulgados, houve audiências sobre a proteção da biodiversidade de insetos nos parlamentos alemão e europeu. A União Europeia aprovou a ampliação da proibição de pesticidas neonicotinoides e começou a financiar estudos adicionais sobre como a abundância de insetos está mudando e o que pode ser feito.

Entretanto, deter o declínio dos insetos vai exigir muito mais do que isso. A União Europeia já havia colocado em prática algumas medidas para ajudar os polinizadores – incluindo uma regulamentação mais rigorosa dos pesticidas e o pagamento aos agricultores para criar hábitats de insetos, deixando os campos em pousio e permitindo margens selvagens ao longo das áreas cultivadas –, mas as populações de insetos diminuíram mesmo assim. Novos relatórios insistem com os governos nacionais para que colaborem e adotem abordagens mais criativas. Dentre as sugestões estão a integração de hábitats de insetos ao projeto de estradas, linhas de transmissão e outras infraestruturas. As mudanças necessárias, assim como as causas, podem ser profundas. “É um debate que precisa acontecer logo”, diz Goulson. “Se perdermos os insetos, a vida na Terra vai…” Ele se cala.

POR BROOKE JARVIS

adaptado de the new York Times Magazine