Esta é a história extraordinária de duas famílias que construíram um balão de ar quente e enfrentaram os ventos para a liberdade. Confira!
Redação | 9 de Março de 2022 às 14:00
Quando se veem presas, há pessoas que sempre tentam recuperar a liberdade. Ao longo dos anos, milhares se arriscaram a morrer ou ser presos para fugir das condições opressivas da Alemanha Oriental. Escalaram o odiado Muro de Berlim, cavaram túneis sob as barreiras fronteiriças e mergulharam à noite para nadar até pedir asilo no Ocidente.
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Muitos não conseguiram e pagaram o preço supremo, morrendo nos campos minados ou presos às cercas eletrificadas da “faixa da morte” ao longo da fronteira.
Esta é a história extraordinária de duas famílias que, dez anos antes da queda do Muro, construíram um balão de ar quente e enfrentaram os ventos para a liberdade.
Situadas entre milharais e vales verdejantes, com florestas de pinheiros que vão até o horizonte, as cidades de Pössneck e Naila pareciam idênticas na década de 1970. Geograficamente, só havia 64 quilômetros entre elas. Mas, politicamente, seus habitantes não pareciam estar no mesmo planeta.
Naila ficava na Alemanha Ocidental, e seus 9.700 habitantes eram livres. Mas Pössneck, com 20 mil habitantes, ficava na Alemanha Oriental. As antenas de TV no telhado das casas ficavam voltadas para Naila; era pela televisão que os moradores de Pössneck se lembravam constantemente de que a vida no outro lado da Cortina de Ferro era muito melhor.
Em 7 de março de 1978, em sua casa nos arredores de Pössneck, Peter Strelzyk, engenheiro eletricista de 35 anos, estava sentado com o amigo Günter Wetzel, pedreiro e motorista de caminhão de 22 anos.
Há anos, os dois, ambos casados e com dois filhos, vinham tentando achar um jeito de fugir com a família para o Ocidente. Não podiam atravessar a fronteira por causa da “faixa da morte” equipada com metralhadoras controladas eletronicamente, prontas para matar quem tentasse fugir – e nadar, mesmo que por um rio pequeno, era perigoso demais por causa das muitas torres de vigia, sem falar das margens minadas. Até então, nenhum deles pensara em outra maneira: pelo ar.
– Descobri! – gritou Peter de repente, levantando-se com um pulo e dando um tapa nas costas do amigo.
– Vamos de balão.
Günter o olhou, espantado.
– E onde vamos achar um balão?
– Não vamos achar – disse Strelzyk.
– Vamos fazer.
Por que não? Era uma maneira tão louca e impossível de fugir que ninguém, nem mesmo a polícia, pensaria nela. Na manhã seguinte, Peter e Günter começaram a vasculhar as livrarias e bibliotecas de Pössneck. Mas não encontraram nada sobre técnicas de balonagem. Assim, contentaram-se com um livro chamado “A tecnologia de instalação de gás” e uma enciclopédia de física.
No dia seguinte, eles foram à cidade vizinha de Gera. Na loja da cooperativa, viram um grande rolo de tecido de algodão marrom. A vendedora lhes deu um olhar estranho quando pediram para comprar 800 metros, e eles explicaram que iam fazer barracas para um acampamento de jovens.
Os dois levaram o tecido para o quarto andar da casa dos Wetzel. Günter e a mulher, Petra, lacraram as janelas do sótão. Depois, Günter cortou longos triângulos de tecido e começou a imensa tarefa de coser os painéis numa máquina de costura de pedal com 40 anos.
Em duas semanas, o balão de uns 15 metros de diâmetro e 20 de altura começou a tomar forma. Depois, Günter e Peter construíram uma pequena plataforma, numa oficina improvisada na casa dos Strelzyk, e um mês depois o balão estava pronto para testes. Os dois foram para uma clareira escondida, 24 quilômetros ao norte da fronteira da Alemanha Ocidental. Mas, quando tentaram encher o balão, o ar escapou pelo algodão, e o pano ficou mole sobre o capim. Tinham comprado o tecido errado.
Desapontadíssimos, levaram o balão para casa, fizeram-no em pedacinhos e o queimaram meticulosamente na caldeira do sistema de calefação dos Strelzyk.
Nos meses seguintes, os homens testaram a resistência ao ar e ao calor de vários tipos de tecido e, finalmente, se decidiram por um tafetá grosso. Dessa vez, para evitar suspeitas, foram a Leipzig para comprar a grande quantidade de tecido. Ao comprar os 800 metros de tafetá, disseram ao vendedor que eram de um clube de vela.
Costurar o tafetá foi mais rápido do que a tentativa inicial com o algodão. Mas, certa noite, Doris, mulher de Peter, quase revelou o segredo. Havia visitas na casa dos Strelzyk, e todos assistiam a um filme da televisão da Alemanha Ocidental sobre balões de ar quente. Durante o programa, Doris disse, desatenta: “Temos um balão no sótão com 500 metros cúbicos a mais do que esse aí.” O marido quase desmaiou. Gotas de suor escorreram pelo seu pescoço. Felizmente, as visitas nem notaram.
Enquanto isso, Günter andava pensando. Certa noite, depois de uma longa conversa com os Strelzyk, ele decidiu que não tentaria a fuga de balão. A mulher duvidava que daria certo e, além disso, Günter sabia que o balão teria mais chance de voar com apenas os quatro Strelzyk a bordo.
Peter continuou a trabalhar no balão. Depois de vários testes com o bico de gás, encontrou por acaso um sistema eficiente. Com gás propano líquido, viu que conseguia produzir uma chama durável e eficaz. Em junho de 1979, o balão feito em casa estava pronto para decolar. Agora eles só precisavam de bom tempo.
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Na terça-feira, 3 de julho, o cata-vento no alto da prefeitura passou a apontar o sul – a fronteira da Alemanha Ocidental. Naquela noite, às 23h30, os Strelzyk percorreram 19 quilômetros de carro até encontrar um local solitário a cerca de 10 quilômetros ao norte da faixa da morte da fronteira leste-oeste. Inflar o balão só levou cinco minutos. “Vamos, vamos, embarquem!”, gritou Peter. O balão subiu no ar com a família Stelczyk empoleirada na minúscula plataforma. Eram duas da madrugada.
Durante 34 minutos, o balão ficou no ar. Então, aconteceu. Uma neblina densa os envolveu e, em segundos, o aumento do peso da água sobre o balão os mandou de volta para o chão. Caíram no meio de um pequeno bosque de pinheiros. As árvores rasgaram o balão, mas amorteceram o pouso.
Doris e as crianças rastejaram pelo mato e se esconderam numa touceira de arbustos, enquanto Peter examinava a área. A uns 200 metros, avistou duas cercas de alambrado com mais de 3 metros de altura e uma faixa de terra nua entre elas. Era a temida faixa da morte – mas eles continuavam no lado errado!
Esperavam ver soldados e cães vindo pelo mato a qualquer momento, mas a floresta continuou em silêncio. Abraçados uns aos outros, tremendo de frio e medo, eles se esconderam até a aurora.
Às primeiras luzes, os quatro começaram a sair da área. O chão ao longo da fronteira estava coberto de rolos de arame, a poucos metros uns dos outros, todos levando a dispositivos de alarme conectados à torre de vigia mais próxima. As costas curvadas, olhando o tempo todo em todas as direções, os quatro candidatos a refugiados recuaram pela Alemanha Oriental, afastando-se da fronteira.
Oito horas depois do início do voo abortado, eles finalmente chegaram à clareira onde tinham deixado o carro. Estava intacto, e a família voltou a Pössneck sem incidentes. Nenhum agente do serviço de segurança os aguardava em casa. Só Purzel, o gato preto e branco, saiu do jardim ronronando de alegria para se esfregar nas pernas sujas da calça de Peter.
Embora ainda fosse de manhã, estavam todos exaustos e decidiram se deitar. Mas Peter não conseguiu dormir. Ficou andando de um lado para outro na sala de estar, que agora parecia a cela de uma prisão. Então, sentou-se na espreguiçadeira dourada e caiu em prantos.
Naquele mesmo mês, Peter Strelzyk foi ver Günter Wetzel, a primeira visita em algum tempo. Günter esperava que Peter ligasse. Um amigo lhe dissera que tinham encontrado um balão perto de Lobenstein, junto à fronteira, e que os agentes de segurança procuravam os balonistas por toda parte.
Os dois se sentaram algum tempo na sala até que Günter perguntou diretamente:
– Eram vocês que estavam no balão perto de Lobenstein?
– Éramos – respondeu Peter.
– Que confusão! – disse Günter. Peter então contou o que tinha acontecido.
– Dá para fazer, Günter, com o novo sistema de gás – disse ele. – Mas não conseguiremos sem você. Por favor, venha conosco.
Uma semana depois, Günter respondeu: “Iremos.”
Pela terceira vez em 17 meses, os Strelzyk e os Wetzel começaram a construir um balão para fugir. A tarefa agora era ainda mais difícil. O balão teria de ser maior e mais forte; consequentemente, mais ar teria de ser aquecido. Além disso, desde a descoberta do último balão perto da fronteira, os homens temiam que todas as lojas de tecido do sul da Alemanha Oriental tivessem sido alertadas para denunciar quem quisesse comprar mais do que alguns metros de tecido de trama bem fechada e resistente à passagem do ar.
Mesmo assim, nas semanas seguintes, as famílias percorreram mais de 3.800 quilômetros de carro e visitaram quase cem cidades e aldeias para comprar corda de náilon, tafetá e outros itens. Günter se uniu ao parceiro nas primeiras viagens de compra, depois foi para o sótão de Strelzyk e começou a costurar os poucos pedaços de tecido multicolorido.
Em 14 de agosto, Peter Stelczyk chegou em casa cansado e irritado. Doris o recebeu e murmurou: “Deixei o jornal no armário da sala de estar. É melhor dar uma olhada na página dois.”
Ele viu uma pequena foto de um barômetro, um relógio, um canivete e um alicate. O título dizia: “A Polícia do Povo solicita ajuda.” Peter leu com pânico crescente. “Depois de usados num crime grave, os objetos aqui ilustrados foram abandonados pelos criminosos.” A descrição detalhada dos objetos era seguida por um apelo: “Os leitores que tiverem informações sobre pessoas que estiveram de posse desses objetos devem entrar em contato com a Polícia do Povo.”
“Bom, é isso”, disse Peter, ao pousar o jornal com as mãos trêmulas. “Agora estão mesmo nos caçando.”
A partir de então, Günter Wetzel mal deixava o posto junto à máquina de costura. Jornadas de 24 horas de trabalho eram comuns. Peter, Doris e Petra usaram toda a sua poupança e continuaram a procurar tecido apropriado nas lojas.
Em Magdeburg, compraram 20 metros de corda de náilon; em Halle, conseguiram 150 metros de tecido de náilon. O estoque cresceu, em todas as cores do arco-íris. Em 14 de setembro, numa loja de departamentos, eles conseguiram adquirir os últimos 30 metros de pano. Inflado, o balão teria 19 metros de diâmetro e 25 de altura – quase do tamanho de um prédio de oito andares! Eles tinham montado um dos maiores balões de ar quente já construídos na Europa.
Enquanto isso, Peter Stelczyk construiu um queimador maior e uma plataforma com uma corda para servir de parapeito. O piso, que teria de sustentar os oito fugitivos, era uma folha de metal com menos de um milímetro de espessura. Petra Wetzel ficou apavorada ao ver esse piso tão leve: “Vai se romper e vamos cair!” Para tranquilizá-la, Peter pôs tijolos sob os cantos do painel e fez os quatro adultos e Frank Strelzyk, de 15 anos, subirem e pularem. O metal vibrou, mas aguentou. Finalmente, o terceiro balão ficou pronto para decolar.
Em 15 de setembro de 1979, um sábado, uma tempestade caiu à tarde nas florestas circundantes. Mais tarde, a cobertura de nuvens se abriu. A noite ficou fria, com o céu cheio de estrelas e uma lua flutuante. O vento soprava na direção da fronteira da Alemanha Ocidental. Era a noite certa.
As duas famílias saíram de Pössneck pouco antes da meia-noite e seguiram para uma clareira numa floresta da Turíngia. Aos poucos, a ventoinha foi jogando ar frio no envelope do balão vazio, que jazia como um dinossauro murcho sobre o capim. Então, Günter, Doris e Frank Strelzyk mantiveram a boca do balão aberta enquanto Peter acendia o maçarico. Com o auxílio da ventoinha, uma labareda alaranjada de 15 metros dardejou dentro do envelope, chamuscando o cabelo de Peter.
Na borda da clareira, Petra Wetzel e as três crianças pequenas observavam com apreensão. Em 15 minutos, o balão se ergueu acima deles. As cordas da boca do balão se esticaram até a gôndola bamba. Günter acendeu o queimador com os quatro botijões de propano, e Peter lhe deu um jato de 30 segundos com o maçarico. Mas foi demais. Aquecido por duas chamas, o balão forçava para se soltar e subir.
Peter Strelzyk gritou para o outro lado da clareira: “Entrem! Depressa, depressa! Estamos indo!” Todos embarcaram. De repente, o tecido da boca do balão pegou fogo quando o vento forte o inclinou perigosamente.
Pelas leituras que fizeram, eles sabiam o que acontece quando o envelope de um balão se inflama. A imensa pressão do ar quente leva o balão para cima, às vezes centenas de metros; só quando o envelope se queima por completo, a gôndola e seus ocupantes caem rumo a terra.
Rapidamente, Günter apagou as chamas com um extintor; ele e Frank puxaram os canivetes e cortaram duas cordas. A estaca da terceira âncora foi catapultada para fora do chão, ferindo Frank Strelzyk e Andreas Wetzel, de 2 anos. Então, Günter cortou a última corda.
Na mesma hora, a plataforma se endireitou, e a chama apontou novamente para cima, em segurança. Seu brilho vermelho iluminou o rosto dos oito fugitivos, enquanto o balão de 750 quilos subia rumo ao céu. A plataforma estava em silêncio; o único som era o sibilar do jato de gás enquanto o balão era carregado pelo vento.
Cerca de 2 mil metros abaixo deles ficavam as minas, os cães ferozes, o muro encimado por arame farpado da faixa da morte. Então, fachos de luz subiram de repente pela escuridão, quando os guardas da fronteira sondaram a noite com holofotes. Petra Wetzel gritou: “Droga, estão procurando por nós!”
Os fachos de três holofotes se fundiram num grosso dedo de luz que tentava tocá-los. Durante vários momentos cheios de tensão, o balão quase foi pego pelo facho. Para deixar as luzes brancas para trás, Peter aumentou a chama do queimador, e o aeróstato subiu para o frio intenso dos 2.600 metros.
Petra Wetzel se ajoelhou no chão de metal e pegou no colo o filho Andreas, que tremia, enquanto esperava as balas que, com certeza, rasgariam o balão e dariam fim à vida de todos. Ela começou a cantar baixinho uma música de ninar: “Um ursinho de pelúcia passeia na terra dos brinquedos, seu pelo é tão macio. Chamem todas as crianças…” Mas, embora conhecesse a música de cor, ela não conseguiu lembrar do resto.
Com 23 minutos de voo, o queimador quase se apagou. Peter e Günter tentaram freneticamente produzir uma chama maior, mas não conseguiram. Os 44 quilos de propano tinham se esgotado, e agora o balão descia. Embora estivesse escuro, havia luar, e, quando o chão chegou mais perto, eles conseguiram ver os detalhes dos morros, bosques e fazendas lá embaixo. Então, com um tremor, o balão caiu, curvando uma jovem acácia e pousando com um estrondo assustador. O voo de 28 minutos terminara – e as famílias ainda não sabiam com certeza se estavam a salvo.
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“Vamos, andaremos na direção da lua”, disse Günter. Juntos, eles caminharam pela borda de um milharal recém-colhido até chegarem à proteção de um bosque. Peter e Günter deixaram as mulheres e crianças escondidas no mato e foram até um celeiro. Lá dentro, havia uma carroça com o nome do fazendeiro – algo desconhecido no outro lado.
Naquele momento, um carro da polícia de Naila, alertado por moradores que falavam de um disco voador, parou.
– Estamos no Ocidente? – gritou Peter.
– Estamos – responderam.
Peter e Günter abraçaram os policiais, gritando:
– Conseguimos! Conseguimos!
Günter acendeu um sinalizador vermelho para avisar que estava tudo bem, e as mulheres e crianças deixaram o esconderijo e atravessaram o campo correndo para abraçá-los. Então, Frank Strelzyk, com lágrimas correndo pelo rosto, voltou ao balão e pegou a garrafa de champanhe que sua mãe pusera lá.
Na delegacia de Naila, com seus canteiros de flores e policiais alegres, eles ergueram os copos. O brinde foi de uma simplicidade pungente: “À liberdade!”
As famílias Wetzel e Strelzyk acabaram se separaram pouco depois do sucesso da fuga. Por quê?
Peter Strelzyk deu as primeiras entrevistas à mídia, enquanto Günter Wetzel foi levado para o hospital a fim de se recuperar da lesão na perna sofrida durante o pouso. Segundo Wetzel, Strelzyk assumiu sozinho perante os meios de comunicação o crédito pela ideia da fuga e pela construção do balão.
Depois de conseguir a liberdade, Wetzel e sua família se instalaram em Hof, cidade próxima de onde o balão caiu. Moraram lá cerca de 40 anos, onde Wetzel trabalhou como mestre mecânico. Ele já se aposentou.
Peter Strelzyk abriu uma oficina elétrica em Bad Kissingen, a uns 120 quilômetros de onde as famílias pousaram. Em 1989, com a reunificação da Alemanha, os Strelzyk voltaram para o antigo lar em Pössneck. Foi lá que Peter Strelzyk morreu em 2017, aos 74 anos.
Em 1982, foi lançado “Dramática travessia”, um filme da Disney sobre a fuga, e, em 2018, na Alemanha, quase 40 anos depois da façanha, o filme alemão “Ventos da liberdade” chegou aos cinemas.
Publicado como “Das Himmelfahrtskommando” na Revista Stern (40/1979), reproduzido com permissão de Picture Press.
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