Os robôs estão chegando para cuidar de nós. E já ajudam em casas de repouso e outros locais ao redor do mundo de forma experimetnal.
Redação | 1 de Maio de 2020 às 01:01
Justin Santamaria move os dedos pelo iPad e, de repente, a criatura toma vida. Do tamanho de um bebê, Zora se levanta do chão e fica em pé, flexionando cada articulação dos membros de plástico branco. Fica ali parada, os olhos redondos e atraentes, e as cinco senhoras idosas sentadas em semicírculo à sua frente estão cheias de expectativa.
“Ela está me paquerando”, ri uma senhora numa cadeira de rodas. Mas isso é impossível, porque Zora é um robô. Desde fevereiro de 2019, a diretoria dessa casa de repouso no 15º arrondissement de Paris vem usando Zora para complementar o tratamento oferecido aos moradores idosos.
Zora comanda a turma numa sessão de exercícios suaves. Ela move a cabeça para cima, depois para baixo até o peito, em seguida de um lado para o outro, acompanhada por música calmante. As cinco alunas seguem cada movimento seu.
O próximo exercício faz as participantes trabalharem os braços. Tudo, inclusive a fala de Zora, é pré-programado por Justin em seu tablet.
Mas Justin não é apenas um titereiro. Ele é instrutor físico especializado em idosos e incapacitados, e, enquanto Zora mostra os movimentos às alunas, Justin fica livre para lhes dar atenção individual.
Ele vai até uma senhora numa cadeira de rodas e a incentiva a alongar totalmente o braço. “Sei que a senhora acha difícil”, diz ele com empatia. Justin explica ao grupo que girar os braços ajudará a pegar coisas.
Obviamente, as integrantes dessa aula de ginástica em cadeiras na Villa Lecourbe adoram Zora. Todas têm pouca mobilidade; algumas, problemas cognitivos também. Mas fazem o que Zora lhes diz e, quando ela (todas se referem ao robô humanoide como “ela”) toca “La Vie en Rose”, as cinco cantam, sorrindo.
“É como um brinquedo”, diz uma senhora de 90 anos depois da aula. “É como voltar a ser criança. Nessa idade, temos muitas lembranças da infância.”
Mas para a Maisons de Famille, cadeia de casas de repouso particulares que adotou Zora em seus 16 centros em toda a França, ela é muito mais do que um pouquinho de diversão. Ela é o futuro.
A tecnologia robótica nos cerca. Já estamos acostumados a aparelhos autônomos que aspiram o pó da casa. Podemos até ter visto robôs que auxiliam cirurgiões a operar ou que desinfetam a sala de cirurgia depois. Mas, cada vez mais, os robôs, principalmente os que se parecem com minisseres humanos, estão sendo usados para ajudar a cuidar de pessoas e aumentar sua qualidade de vida.
“Com o uso de Zora, estamos sendo conscientemente inovadores para aumentar o bem-estar de nossos moradores e fazer nosso papel na busca de avançar no serviço à humanidade”, explica Delphine Mainguy, diretora geral da Maisons de Famille.
Na Villa Lecourbe, isso se traduz em atividades que fazem parte do programa de tratamento personalizado de cada morador. Podem ser atividades em grupo, com exercícios de força e equilíbrio, canto, dança, leitura de livros e jornais em voz alta, ou sessões individuais para quem tem problemas cognitivos e não se sente à vontade na companhia dos outros.
Zora pode ajudar a equipe a convencer os moradores a se levantar quando prefeririam ficar na cama ou entreter alguém que não goste de cortar o cabelo. “Sua presença os deixa menos ansiosos e mais relaxados”, explica Elisabeth Bouchara, gerente da Villa Lecourbe. “Acima de tudo, tentamos encontrar soluções que não envolvam medicação.”
Estudos indicaram que Zora e outros robôs sociais agregam valor ao tratamento convencional. Mas, como seu uso ainda está começando, até agora a maioria dos indícios é episódica. A Maisons de Famille conta o caso de idosos que não falam mas que passaram a usar gestos para se comunicar depois de imitar Zora.
“Em um de nossos centros no sul da França, um morador não permitia que ninguém o tocasse para trocar um curativo. Graças a Zora, que conseguiu distraí-lo, ele finalmente aceitou o tratamento”, relata Boris Prévost, chefe de marketing e inovação da Maisons de Famille. “Outros moradores com demência conseguem se concentrar o dobro do tempo nas sessões em que os terapeutas psicomotores usam Zora.”
Zorabots, a empresa de robótica com sede na Bélgica que projeta e desenvolve o software de vários robôs humanoides, deu vida a Zora em quase 400 estabelecimentos de tratamento de saúde em países como Austrália, Bélgica, França, Países Baixos, Alemanha, Suíça, Itália, Japão e Estados Unidos.
A empresa revela que, na Bélgica, um idoso com demência que não falava mais redescobriu o gosto pela conversa graças ao cuidador robótico, e outro, de Paris, que esquecera as notas de uma peça musical, conseguiu lembrar a obra inteira interagindo com Zora.
Os moradores de Villa Lecourbe se queixam de que a voz de Zora é muito baixa, um obstáculo para os que não ouvem bem. Justin Santamaria acha que a tecnologia ainda precisa de refinamento. “Não é difícil programar”, diz ele, “mas leva tempo.”
No início, os funcionários e alguns parentes temeram que os robôs estivessem sendo recrutados para ocupar o lugar da equipe de enfermagem. Não é assim, insiste Elisabeth Bouchara. “O robô acompanha, não substitui”, explica ela. “Zora é uma personagenzinha que se tornou conhecida dos nossos moradores, mas é programada por um profissional. Sozinha, ela não é nada.”
Justin Santamaria concorda. “É mais uma ferramenta, como uma bola ou um elástico”, diz ele. “Facilita o contato com os moradores, mas não vai substituir os seres humanos.”
No Reino Unido, o conselho municipal de Southend-on-Sea, em Essex, também teve sucesso ao incorporar um robô à equipe de assistência social. Chamado de Pepper (“pimenta”), o humanoide do tamanho de uma criança é usado tanto com idosos que apresentam demência quanto com crianças com transtorno do espectro autista (TEA).
Maxine Nutkins, gerente de engajamento comunitário do conselho, declara espanto com a transformação que viu nos dois grupos. Numa casa de repouso para idosos com demência, ela assistiu a uma sessão recente na qual Pepper fez perguntas aos moradores para incentivá-los a falar de suas lembranças.
Uma senhora com mais de 90 anos não estava participando, mas, numa sessão individual com Pepper, de repente ela se levantou, começou a dançar e falar de mãos dadas com o robô e até acariciou seu rosto. A filha, que estava presente, disse: “Queria que tivesse visto minha mãe antes. Ela nunca fez isso. É inacreditável!”
Mas Nutkins viu mais benefícios nas crianças com TEA. Pepper vai a duas escolas para crianças com necessidades educativas especiais e faz oficinas de escrita criativa. O robô é programado com informações sobre cada criança; elas ficam empolgadas porque Pepper as conhece.
“As crianças são cativadas na mesma hora”, conta Nutkins. “Ele as incentiva a se comunicar e lhe contar mais coisas. Também as motiva a manter a concentração. Nenhuma se distrai.” Logo as crianças trabalham juntas na elaboração de histórias ilustradas com base em suas experiências e nas coisas importantes para elas. Com muita frequência, essas crianças são incapazes de transmitir suas paixões aos outros e de trabalhar em equipe.
Graças às sessões de escrita criativa com Pepper, Jacob, adolescente com TEA, sofreu uma transformação extraordinária no decorrer de um ano. No começo, ele se escondia sob os fones de ouvido e raramente falava, mas agora é um aluno confiante de administração numa escola técnica local. “Ele é um rapaz ocupado”, diz Maxine Nutkins. “E isso é ótimo, porque antes ele não se concentrava.”
Nutkins acredita que o valor de Pepper está no fato de que o robô não tem emoções humanas que possam ser transmitidas inconscientemente e rechaçar os outros.
“Não há pressão; essa foi uma de nossas principais observações”, afirma ela. “Pepper é coerente. Quando alguém acha difícil se envolver com ele, o robô não pressiona a pessoa a falar. Ainda estará lá duas horas depois com a mesma proposta, falando com o mesmo tom de voz, ainda olhando a pessoa, engajado com ela, e isso é importantíssimo para esses jovens.”
O professor Daniel David é chefe do Departamento de Psicologia Clínica e Psicoterapia da Universidade Babes-Bolyai, em Cluj-Napoca, na Romênia. Ele concorda com as observações de Nutkins. “No caso do TEA, há uma abertura para a interação com seres e tecnologias artificiais geralmente maior do que para a interação com seres humanos”, explica ele.
O professor David acredita que a contribuição dos robôs para o tratamento de problemas mentais pode avançar ainda mais. Em vez do método chamado de “Mágico de Oz”, usado tanto por Zora quanto por Pepper, no qual os operadores programam as ações e reações do robô, ele está trabalhando num projeto financiado pela Comissão Europeia para desenvolver um robô autônomo supervisionado a fim de trabalhar com crianças com TEA. “Já o usamos na vida real em cerca de dez centros na Romênia, com 79 crianças com TEA, e obtivemos bons resultados”, revela ele.
Sua equipe tem usado dois robôs. Um deles, Probo, é fofo, lembra um elefante e demonstra habilidades de comunicação, como pedir coisas e agradecer. O outro se chama Nao. Idêntico a Zora por fora, mas movido por um software diferente, Nao é empregado para representar papéis, de modo que as crianças aprendam a imitar, a dar a vez e a desenvolver outras habilidades sociais.
O mais empolgante nesse trabalho é que seu objetivo é desenvolver a próxima geração da roboterapia usando a inteligência artificial.
Os robôs serão capazes de aprender com a experiência para avaliar comportamentos e escolher a resposta terapêutica apropriada. Também agirão como ferramenta de diagnóstico com a coleta de dados durante as sessões com a criança. A equipe do projeto espera publicar em breve os seus achados.
O professor David está convencido de que os robôs têm seu papel no futuro do tratamento de saúde mental, seja para crianças com TEA, seja para idosos e outros adultos que precisem de apoio emocional e cognitivo em casa, onde não há terapeutas disponíveis.
“O desenvolvimento tecnológico é inevitável, e a tecnologia baseada em robôs é irreversível”, diz ele. “É por isso que os psicólogos deveriam ser proativos e projetar esse futuro.”
As inovações estão vindo com tudo. Em Toulouse, a nova empresa francesa New Health Community está desenvolvendo, para uso em hospitais, um robô de tratamento médico chamado Charlie. Além de fazer companhia aos pacientes, ele pode entretê-los com jogos ou transmitir informações numa tela de toque. Há até a possibilidade de videoconferência para que os pacientes conversem com o médico. Os dados clínicos são armazenados de forma segura.
O Dr. Nicolas Homehr, médico de família e criador do Charlie, teve a ideia quando seu filho foi internado no hospital com doença grave; ocorreu-lhe que, para crianças nessa situação, seria benéfico ter um robô companheiro.
Ao mesmo tempo, o AV1, da empresa norueguesa No Isolation, pode ser alugado para crianças com doenças crônicas que faltam muito à escola e se sentem isoladas. O pequeno robô de mesa pode ir à escola no lugar delas e permitir que o aluno participe remotamente das aulas graças à tecnologia de transmissão de vídeo ao vivo.
Em breve, a gigante tecnológica Samsung lançará seu robô Bot Care para ajudar e acompanhar pessoas idosas, doentes e incapacitadas dentro de casa. O Bot Care é um robô que fala e se desloca, com uma tela que lhe serve de rosto com olhos digitalizados fofinhos. Pode medir a pressão arterial, o ritmo cardíaco e a respiração, lembrar os usuários de tomar os remédios, dizer-lhes qual é a programação do dia, tocar música e até avisar familiares caso haja uma emergência, como uma queda.
Cuidadores autônomos como esse seriam uma bênção neste momento de isolamento social por causa da pandemia do novo coronavírus, que representa um risco maior aos idosos. E também no futuro próximo, visto que a porcentagem de idosos na população cresce a cada ano.
Mas os fundadores da Zorabots ressaltam que a tecnologia robótica existe para ajudar e não para assumir o comando. “Os chamados robôs sociais já fizeram uma boa diferença, como incentivo para as pessoas manterem a forma, com participação na jornada de tratamento, como ferramenta da fisioterapia, com novas maneiras de detectar a dor ou na comunicação com portadores de autismo, por exemplo”, diz Tommy Deblieck, que fundou a empresa com Fabrice Goffin. “Mas os robôs nunca substituirão o afeto e a competência humanos. Mesmo que amanhã a inteligência artificial ajude no tratamento ou no diagnóstico, os robôs sempre complementarão os seres humanos e serão apenas um apoio aos pacientes.”
Em Paris, na Villa Lecourbe, Elisabeth Bouchara está contentíssima com o modo como Zora, seu “robozinho mágico”, já melhorou a vida dos moradores idosos. “Foi uma ótima decisão”, conclui ela.