Durante seus últimos dias de exília na ilha Santa Helena, Napoleão Bonaparte sucumbiu à conspiração de um dos que o acompanhavam.
Napoleão Bonaparte morreu faltando 11 minutos para as 6:00 h da tarde de 5 de maio de 1821, em Longwood House, na ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul. Após um exame de autópsia no dia seguinte, os médicos anunciara que ele morrera de “uma enfermidade que se encaminhava para o câncer”.
Napoleão não andava com boa saúde, e nos últimos meses o declínio fora ininterrupto. Médicos e assistentes registraram mais de 30 sintomas que surgiam e sumiam em diferentes momentos, e ocorriam em várias combinações. Entre eles, ganho de peso incontrolável, perda de pelos do corpo, inchaço dos pés, náusea, diarreia, prisão de ventre, enxaqueca, tonturas, pulso irregular, dores no fígado e estômago, dentes frouxos, sangramento nas gengivas, fraqueza nas pernas, surdez, visão comprometida e sede excessiva.
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Duas semanas antes da morte de Napoleão, seu médico italiano, o Dr. Francesco Antommarchi, observara: “O Imperador, que se sentia muito bem no dia 21 de fevereiro, teve uma súbita recaída. Tosse seca. Vômitos. Sensação de calor nos intestinos. Mal-estar geral. Desconforto. Sensação de ardor quase insuportável, acompanhada de sede causticante.” No dia seguinte, a situação ficou ainda pior: “A tosse tornou-se mais violenta, e a náusea só parou às sete da manhã.”
Em desespero, os médicos tentaram induzir o paciente a purgar-se com eméticos e laxantes. Após uma dose do laxativo calomelano, ao anoitecer de 3 de maio, ele sofreu paralisia muscular completa e caiu em inconsciência. Segundo um membro de seu séquito, o general Gratien Bertrand, “Não conseguia sequer engolir”. O imperador ficou em coma e morreu dois dias depois. Embora tenha sido enterrado em Santa Helena, quase 20 anos mais tarde seu corpo foi removido para um túmulo no Hôtel des Invalides, em Paris.
Uma desconfiança que mudou a história
Na época da morte de Napoleão Bonaparte, e durante mais de 130 anos depois, ninguém questionou o último diagnóstico dos médicos: os livros de História registraram que ele morrera de câncer no estômago.
E aí teria se encerrado a questão, não fosse seu hábito de presentear visitantes e servidores com mechas de seus cabelos como lembrança. Várias delas sobreviveram como heranças de família. A importância disso só foi compreendida em 1955, quando um cientista sueco, Sten Forshufvud, leu os diários recém-publicados do criado pessoal de Napoleão, Louis Marchand. No relato meticulosamente detalhado de Marchand sobre os últimos meses da vida do imperador, Forshufvud identificou um quebra-cabeças. Se Napoleão morrera de câncer no estômago, como insistiam os historiadores, por que Marchand não notou nenhum sintoma dessa doença? E por que, visto que o câncer quase sempre depaupera suas vítimas, Napoleão morrera obeso?
Quanto mais lia, mais Forshufvud começava a perceber que o grande número de sintomas aparentemente não relacionados – as recuperações e recaídas de curto período, a obesidade, o fígado inchado na autópsia – indicavam um diagnóstico diferente do dos médicos.
Se verdadeiro, um diagnóstico tão dramático e relevante politicamente reescreveria a história – Forshufvud sabia, porém, que ele jamais seria aceito sem provas irrefutáveis.
Mechas reveladoras
Após a morte de Napoleão, em 1821, sua cabeça foi raspada e seu criado de quarto Louis Marchand levou consigo um envelope com uma mecha de cabelos para a França. Esses fios de cabelo de 7,5 cm de comprimento representam seus últimos seis meses de vida. Metodicamente, durante um período de 20 anos, Forshufvud identificou mechas de cabelo de Napoleão ainda preservadas na França, Suíça, Inglaterra, Rússia e Áustria, e convenceu os proprietários a lhe cederem amostras delas.
No total, 140 amostras foram enviadas para análise, a princípio pelo Dr. Hamilton Smith, do departamento de medicina legal da Universidade de Glasgow, e depois pelo Instituto de Pesquisa de Energia Atômica em Harwell, Inglaterra. Os resultados foram os que Forshufvud previra. Todas as amostras eram da mesma pessoa, e ela ingerira muito arsênico.
Sugeriu-se que o envenenamento fora acidental – a loção capilar de Napoleão, por exemplo, poderia conter arsênico, ou ele poderia ter inalado vapores arsenicais exalados pela tintura verde de seu papel de parede. Mas uma amostra de cabelos tirada após a morte não deixa qualquer dúvida sobre a questão.
Registro médico-legal
O valor dos exames da autópsia não está só em fornecer uma leitura global única, mas em graduar os cabelos em seções. Se a data de uma amostra obtida for conhecida, o cientista pode fazer um trabalho de reconstituição ao longo de todo o comprimento do cabelo e calcular quase até o dia em que o arsênico entrou no corpo. Se as concentrações variarem muito, a contaminação por uma fonte externa, como o papel de parede ou a loção de cabelo, é excluída. Uma exposição demorada resultaria em níveis constantes de absorção, e seria improvável que afetasse só um homem.
Marchand depositara num envelope uma mecha de cabelo de Napoleão cortada logo após sua morte. A madeixa de 7,5 cm de comprimento – conservada pelos descendentes do criado – era um registro incontestável dos últimos seis meses de sua vida. As variações dos níveis de arsênico não eram apenas relevantes, mas surpreendentes. Numa época em que a concentração média de arsênico na população era de aproximadamente 0,08 partes por milhão, as taxas de Napoleão oscilaram entre 2,8 e 51,2 ppm. Em certos momentos, ele tinha mais de 600 vezes a quantidade de arsênico que se poderia esperar.
Trabalhando agora com Ben Weider, presidente da Sociedade Napoleônica Internacional, com sede em Montreal, Forshufvud fez uma tabela cronológica dos sintomas registrados por Marchand e os médicos e comparou-a com a análise diária dos cabelos de Napoleão. Combinavam exatamente. Quando a concentração de arsênico aumentava, pioravam os sintomas. Amostras anteriores repetiram tais resultados. O envenenamento prosseguira a intervalos durante todo o exílio.
Mas o que acabou matando o imperador não foi o arsênico em si, e sim os medicamentos receitados para tratar os sintomas. Um mês antes de sua morte, deram-lhe limonada batizada com “tártaro emético” para fazê-lo vomitar. Para um químico moderno, o tártaro emético é mais conhecido como tartarato de potássio antimônico. Altamente tóxico, corrói o revestimento estomacal. Também inibe o próprio reflexo de vômito que pretendiam estimular. Não é emético; ao contrário, priva o estômago da capacidade natural de expelir venenos.
Mais ou menos na mesma época, deram a Napoleão orchata, uma bebida com sabor de laranja, junto com laxativo à base de calomelano. Calomelano contém cloreto de mercúrio. No estômago, combina-se com a orchata e forma cianidina mercurosa. Se não expelida pelo vômito, danifica ainda mais a parede estomacal e acaba causando paralisia muscular – os exatos efeitos nas últimas horas de Napoleão.
Morte lenta
O lento envenenamento por arsênico era, do ponto de vista do envenenador, o meio mais apropriado para empreender a tarefa de matar o imperador. O assassino não teria intenção de fazê-lo abertamente. Um caso óbvio de assassinato teria inflamado as paixões republicanas na França, e a família real Bourbon – recém-restaurada ao trono em 1816 – não poderia correr o risco de outra revolução. Seria melhor envenená-lo aos poucos, fazendo sua deterioração gradual parecer uma doença crônica.
A trama do envenenador
As provas reunidas por Forshufvud foram eloquentes. Em 1995, o Departamento de Justiça dos EUA declarou que os resultados da análise capilar eram “compatíveis com envenenamento por arsênico”; numa carta de 1997, a Scotland Yard concordou com o laudo.
Então, em junho de 2001, Weider eliminou as objeções restantes. Durante anos, historiadores franceses haviam-se recusado a aceitar as provas dos exames médico-legais feitos fora da França. Agora Weider podia revelar que amostras do cabelo de Napoleão Bonaparte haviam sido examinadas pelo Dr. Pascal Kintz no departamento de toxicologia da Universidade Louis Pasteur, em Estrasburgo. A conclusão de Kintz não deixava lugar a dúvida: “Houve marcante exposição ao arsênico.”
Mas, quem foi o suposto assassino de Napoleão Bonaparte?
As duas pessoas ao lado de Napoleão durante todo o exílio e com acesso a sua comida e bebida eram o criado de quarto Marchand e um cortesão, o conde Charles-Tristan de Montholon.
A inquestionável lealdade de Marchand e sua falta de motivações fazem dele um suspeito improvável. Já Montholon tinha ao mesmo tempo motivo e oportunidade. Nutria um ressentimento – o imperador uma vez demitira-o de um cargo diplomático por fazer um casamento impróprio. Também parece claro que sua esposa se tornou amante de Napoleão em Santa Helena. Montholon era um assumido monarquista, bem relacionado com Luís XVIII e seu irmão, o duque D’Artois, que se tornaria mais tarde Carlos X. D’Artois já tentara matar Napoleão num ataque a bomba em 1800. D’Artois também salvara Montholon de uma punição depois que o conde dilapidara fundos do exército. É possível que este favor estivesse sendo retribuído, e que Montholon tenha-se oferecido como voluntário para o exílio por insistência da facção monarquista na França. Em Santa Helena, suportou o exílio e a humilhação de marido traído a fim de cumprir uma finalidade maior: assassinar Napoleão Bonaparte.
Então como foi cometido o crime?
Montholon teria acesso à adega privada de Napoleão. Como o arsênico não tem cheiro nem gosto, o imperador não teria percebido nada. Embora circunstancial, a prova contra Montholon é irresistível. Em outubro de 2002, seu descendente, François de Cande-Montholon, escreveu a Weider de sua casa em Noyant-la-Gravoyère, aceitando a culpa de seu ancestral.
Certa vez Napoleão Bonaparte observou que “apenas um passo separa o sublime do ridículo”. Seu assassinato deu fim patético a uma vida de glórias que marcaram uma época. Uma década antes, ele transpunha continentes e decidia o destino de nações; morreu nas mãos de um servidor ressentido, auxiliado involuntariamente por médicos trapalhões. O sublime pode às vezes estar mesmo bem perto do ridículo – a um fio de cabelo.
Fato curioso: a exumação de Napoelão
Em 15 de outubro de 1840, 19 anos após seu enterro, o caixão de Napoleão Bonaparte foi aberto na presença de autoridades e antigos auxiliares. Veio de Santa Helena à França para pompas fúnebres de Estado. Consta que a tampa do caixão foi erguida por dois minutos e os presentes ficaram boquiabertos ao constatar o estado do corpo. Embora não tivesse sido embalsamado, o cadáver continuava como vivo. Ele fora enterrado em quatro caixões – dois de madeira, um de chumbo e um de estanho. Mas havia uma explicação para sua preservação: o arsênico que matou o imperador também teria retardado a decomposição de seu corpo.