Nunca se comprou tanto pela Internet quanto durante a pandemia. Veja o que alguns entregadores da Amazon têm a dizer sobre esse trabalho.
Douglas Ferreira | 5 de Setembro de 2021 às 17:00
Nunca se comprou tanto pela Internet quanto durante a pandemia. Nesse período os entregadores se tornaram essenciais para que pudéssemos respeitar as medidas de isolamento impostas em todo o mundo. Mas você já parou para se perguntar o que os entregadores têm a dizer sobre esse trabalho essencial?
Se você me vir passando oito vezes pela rua, não estou perdido. É porque as rotas não fazem sentido. São geradas por computador e nos obrigam a voltar por onde já passamos e às vezes fazer conversões perigosas. Outras vezes, temos de atravessar ruas de quatro pistas a pé para chegar aonde é preciso.
Isso significa que às vezes bloqueio o trânsito. “Os motoristas presos atrás de mim me xingam ou metem a mão na buzina”, diz um entregador de Pittsburgh. Lembre-se de que só estou tentando fazer meu serviço e que num minutinho vou embora.
A Amazon usa um aplicativo para acompanhar e dar nota ao modo como dirigimos. Podemos ser demitidos se a nota cair muito. Mas o aplicativo tem uma falha: ele nos penaliza por frear com força, mesmo quando é a coisa certa a fazer. E se o movimento do veículo sacudir o celular, somos penalizados por distração. Alguns embrulham o celular numa toalha e o guardam no porta-luvas para registrar o mínimo movimento possível. Agora a Amazon está instalando câmeras para ver se olhamos o celular ou bocejamos. Muitos consideram isso invasão de privacidade. E a câmera não resolve a verdadeira razão de às vezes dirigirmos perigosamente: as cotas de entrega difíceis de cumprir.
Num turno de dez horas, a empresa espera que entreguemos até 400 pacotes em 250 paradas, ou seja, quase uma parada a cada três minutos. Para conseguir, pulamos refeições, e muitos realmente saem correndo da van para chegar a cada porta. Sim, fazemos xixi em garrafas. “Não vou até o posto de gasolina e volto”, diz um entregador de Houston. “Esses quinze minutos podem mesmo nos atrasar.” (Um porta-voz da Amazon responde: “Esses casos não representam a experiência da imensa maioria dos entregadores. Na verdade, mais de 90% deles terminam a rota antes da hora prevista.”)
Usamos uniforme da Amazon, dirigimos veículos da Amazon e estamos sujeitos às regras da Amazon, mas a maioria de nós não trabalha na Amazon. Trabalhamos para empresas terceirizadas que arrendam os veículos da Amazon e nos pagam para fazer as entregas. Assim, a Amazon nos controla sem assumir a responsabilidade por nossas condições de trabalho. (A Amazon diz: “Temos orgulho de nosso programa de parceiros nas entregas, que empoderou mais de 2.500 empreendedores dos Estados Unidos, do Canadá e da Europa.”)
Por favor, sempre inclua no pedido instruções de entrega, principalmente se sua casa for difícil de achar. (Se eu não encontrar, o produto será mandado de volta ao depósito.) E veja se o número da casa está visível e bem iluminado. Você não vai acreditar em quanta gente deixa o número coberto por coisas, geralmente plantas. Entregamos até as dez da noite nos Estados Unidos, por isso a luz é útil. Mas não adianta escrever que a entrega tem de ser feita num horário específico; só vejo as instruções quando chego ao endereço.
Durante a pandemia, muitos clientes deixaram nozes, barras de granola e água para nós na varanda, com bilhetes de agradecimento. Se quiser nos dar uma gorjeta (por favor), preferimos dinheiro. De acordo com uma reclamação feita à Federal Trade Comission (FTC), a comissão federal de comércio americana, entre 2016 e 2019 a Amazon reteve secretamente as gorjetas que deveriam ir para os entregadores que usavam veículo próprio para fazer as entregas da empresa. No início deste ano, a Amazon concordou em pagar 61,7 milhões de dólares em indenizações. A FTC disse que, naquele período, a Amazon furtou no total quase um terço das gorjetas dos motoristas para engordar seu lucro.
Pessoas ricas parecem que encomendam mais itens comuns, como papel higiênico e flocos de milho, que poderiam comprar em qualquer supermercado. Também têm a entrada de veículos mais comprida, o que não é nada divertido, porque a Amazon não gosta que demos marcha à ré. Mas os condomínios de prédios são os piores. “Podemos ter vinte entregas num condomínio só; temos de levar cada pacote a uma porta diferente e ficamos correndo de um lado para outro entre o veículo e os prédios”, diz um entregador de Dallas. Se seu condomínio tiver uma recepção, por favor, instrua-nos a deixar o pacote lá.
Gostaríamos que você não encomendasse certos itens, ainda mais se morar no terceiro andar de um prédio sem elevador. Por exemplo, a Amazon põe em caixas os sacos de 22 quilos de ração de cachorro. Quando carregamos as caixas, os sacos balançam dentro delas e nos desequilibram. Também detestamos os engradados de água engarrafada – são muito pesados. É por isso que muitos entregadores ficam em ótima forma física. Um entregador de Nova York diz que perdeu quase 30 quilos em cinco meses. Outro diz que, depois de nove meses no emprego, “minhas coxas ficaram tão grossas que eu parecia um bailarino”.
“Não importa que você diga que o cachorro é manso; não vou me arriscar”, diz um entregador da Amazon em Pittsburgh. “Muitos já foram atacados.” Outro risco: clientes amistosos demais. “Certa vez, uma cliente veio abrir a porta enrolada na toalha”, recorda um entregador. “Eu lhe entreguei o pacote e ela disse: ‘Gosta do que vê? Entre. Ninguém precisa saber.’ Ela era bonita, mas não quero perder o emprego.” (Os entregadores da Amazon não podem entrar na casa dos clientes.)
Mas, nos Estados Unidos, posso deixar a mercadoria dentro da garagem. Se você baixar o aplicativo gratuito Amazon Key e comprar um kit de porta de garagem inteligente myQ (custa 29,98 dólares), a Amazon pode me dar um único acesso à garagem para eu pôr pacotes lá dentro, a salvo do tempo e dos piratas de varanda. Outra opção: ponha na varanda uma caixa ou coletor plástico especial para pacotes. Não posso pôr seu pacote na caixa do correio; isso é proibido pela lei federal americana.
“Agora sou entregador da FedEx em meio expediente e ganho mais do que quando trabalhava em horário integral na Amazon”, diz um ex-entregador da Amazon de Houston. “A FedEx também exige que façamos pausas para descanso. Podemos ser demitidos se não fizermos.” Embora a Amazon nos incentive a fazer pausas, “na verdade não podemos nos dar a esse luxo”, diz um entregador de Little Rock, no Arkansas. Quando terminamos mais cedo, os gerentes nos mandam “resgatar” outro entregador que estiver atrasado.
É bom não ficar trancado num escritório, e a maioria ganha pelo menos 15 dólares por hora nos Estados Unidos. Também há momentos compensadores, como os clientes que nos oferecem uma refeição quentinha para viagem ou quando chegamos a uma casa e há uma criança à porta esperando ansiosa o que vamos entregar. Em geral, quando nos veem parar a van, as pessoas abrem um grande sorriso.
Fontes do texto: Entregadores da Amazon de Pensilvânia, Arkansas, Nova Jersey, Indiana, Colorado, Nova York e Texas e um ex-entregador da Amazon de Houston que hoje trabalha na FedEx.