As pegadas encontradas em Roraima revelam uma diversidade de dinossauros que nunca havia sido registrada na região
Por décadas, a Amazônia parecia um “ponto vazio” no mapa dos dinossauros brasileiros. Embora fósseis importantes já tivessem sido encontrados em outras regiões do país, nenhuma evidência confirmava que esses animais também circularam pelo maior bioma tropical do mundo. Mas, agora, uma descoberta inédita muda essa história e coloca Roraima e a Floresta Amazônica no cenário da paleontologia mundial.
Pesquisadores da Universidade Federal de Roraima (UFRR) identificaram as primeiras pegadas de dinossauros registradas na Amazônia. Datadas de cerca de 103 milhões de anos, no período entre o Jurássico e o Cretáceo, as marcas foram encontradas na Bacia do Tacutu, em Bonfim, no extremo norte do estado, e revelam uma diversidade surpreendente de espécies que passaram pela região.
Pegadas revelam dinossauros carnívoros, herbívoros e até espécies com "armadura"
Até o momento mais de dez pegadas fossilizadas foram observadas em afloramentos rochosos, preservadas de maneira excepcional. Segundo os pesquisadores, os rastros pertencem a diferentes grupos:
- Raptors (dinossauros carnívoros ágeis)
- Ornitópodes herbívoros (bípedes que se alimentavam de vegetação)
- Xireóforos (dinossauros com armadura óssea, semelhantes aos anquilossauros)
Embora ainda não seja possível identificar exatamente quais espécies deixaram as pegadas, a variedade de formas e tamanhos indica que a região abrigava um ecossistema muito mais diverso do que se imaginava.
Por que é tão difícil encontrar fósseis na Amazônia?
A combinação de floresta densa, erosão constante e clima úmido é a principal razão pela qual a Amazônia é uma das regiões menos estudadas pela paleontologia. Isso porque esses fatores contribuem para que os fósseis se deteriorem rapidamente, diminuindo as chances de serem encontrados.
Segundo o pesquisador Lucas Barros, responsável pela análise atual, a chance dessas pegadas terem sobrevivido só existe porque, há milhões de anos, o antigo vale do Tacutu era rico em água e vegetação. Esse ambiente encharcado permitiu que as marcas deixadas na lama endurecessem e, depois, fossem soterradas por sedimentos, protegendo-as da erosão. Ele explica que, com o tempo, essas pegadas solidificaram e se transformaram em rochas resistentes – um processo raro na Amazônia, onde a maioria dos materiais simplesmente se perde.
Além disso, a presença de uma faixa de vegetação de cerrado na área ajudou a deixar parte dos afloramentos expostos, revelando não apenas pegadas, mas também troncos fossilizados, impressões de folhas e outros vestígios.
Uma descoberta interrompida
As primeiras pegadas descobertas não são tão recentes quanto parecem. Elas foram reveladas em 2014, durante uma atividade de campo da UFRR. Porém, na época, faltavam especialistas, estrutura e equipamentos modernos, e pesquisas na região acabaram engavetadas.
Foi só em 2021, quando Lucas Barros retomou o material como tema de seu mestrado, que novas investigações voltaram a ser feitas. Munido de novas tecnologias como a fotogrametria, que permite criar modelos 3D altamente detalhados, ele deu início a uma análise inédita e muito mais precisa. A partir daí, o que era uma descoberta isolada se revelou parte de um cenário muito maior.
A investigação atual indica que a Bacia do Tacutu pode abrigar centenas de pegadas de dinossauros espalhadas por vários pontos. Parte delas está na terra indígena Jabuti, onde quatro áreas de interesse científico já foram identificadas.
O estudo continua em expansão e novos locais estão sendo mapeados. Mas um dos principais obstáculos para avançar no mapeamento está fora do campo científico: muitos vestígios se encontram dentro de propriedades particulares.
Pesquisadores relatam que alguns proprietários têm receio de permitir o acesso, temendo conflitos fundiários, processos de desapropriação ou perda de terras. Isso limita a exploração científica e impede que novos dados venham à tona.
Ainda assim, a equipe trabalha para ampliar o diálogo e mostrar que o objetivo é apenas entender a história natural da região, preservando o patrimônio geológico para futuras gerações.