O grafite não é mais um sinal de decadência urbana, mas uma arte com seu devido valor. Conheça 5 dos mais famosos artistas urbanos europeus.
Rayane Santos | 10 de Outubro de 2021 às 11:00
Em 9 de novembro de 2020, quando Aileen Makin foi dormir em Bristol, no Reino Unido, sua casa valia 300 mil libras. Quando acordou, o valor do prédio chegava aos 5 milhões.
Da noite para o dia, Banksy, o renomado artista urbano, pintou na lateral da casa uma velha dando um espirro tão forte que a dentadura saiu voando. Enquanto a multidão se amontoava, um amigo cobriu a obra de arte com uma proteção de acrílico, e a segurança foi chamada para protegê-la de vândalos.
O sucesso desse artista furtivo da “guerrilha” britânica nas últimas três décadas mudou a ideia de que grafite é vandalismo. Riikka Kuittinen, autora de Street Art: Contemporary Prints (Arte urbana: gravuras contemporâneas), diz que “a arte urbana evoluiu como um novo fenômeno artístico global. Onde antes só se tratava do indivíduo ou da marcação de território, agora há um ponto de vista exterior, em geral comentando a comunidade em que vivemos”.
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Os melhores artistas conseguem uma quantidade imensa de seguidores nas mídias sociais; a arte que é lavada das paredes no dia seguinte está no Instagram. Eles podem até ganhar um bom dinheiro vendendo camisetas ou adesivos, contornando as galerias que são o portal tradicional entre os artistas e os compradores.
O que é preciso para se destacar nesse novo movimento? Cinco dos mais conhecidos artistas da Europa nos explicam.
Millo, de 42 anos, é de Mesagne e, em geral, começa pintando um simples horizonte urbano em preto e branco. Então ele acrescenta figuras do tamanho de Godzilla. Mas, em vez de aterrorizar a cidade, elas realizam atividades como tomar banho ou cortar o cabelo.
Depois de estudar arquitetura, Millo (Francesco Camillo Giorgino) se desencantou com a burocracia e as limitações. Onze anos atrás, quando buscava um novo rumo, ele foi convidado a pintar um mural na aldeia de Montone para um festival de artes plásticas.
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“Uma alcaparreira crescia na superfície de tijolo. Assim, desenhei um gigantesco personagem nu comendo a planta. As senhoras locais riam do tamanho de seu pênis.”
Logo, uma família de personagens povoou a selva urbana que ele estudara para construir. “As paredes altas sem janelas são a melhor tela para minhas paisagens da cidade, mas ainda adapto meu trabalho à superfície.”
Millo foi convidado a pintar no mundo inteiro. Ele vende obras em galerias; as gravuras custam por volta de 500 libras esterlinas. Seu trabalho costuma se esgotar em minutos e aparecer no eBay pelo triplo do preço.
Fin DAC, nascido Finbarr Notte, em Cork, pinta murais em grande escala de mulheres modernas com vestimentas étnicas e tradicionais do mundo inteiro. As edições limitadas de suas gravuras se esgotam em minutos, com milhares de compradores competindo pela internet.
O artista autodidata começou sua carreira na arte urbana em 2008, mas a coisa decolou quando experimentou pôr “máscaras” de cor escorrendo dos olhos dos personagens. Logo, essa se tornou sua marca.
“Eu precisava de algo que destacasse meu trabalho dos outros”, diz o artista, hoje com 54 anos. “Uma identidade visual.” Ele se inspirou na pintura facial de tribos do mundo inteiro, na personagem Pris de Blade Runner e até na estrela pop Annie Lennox. Sua máscara típica “dá a quem a usa um ar de força tranquila e poder interior”.
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Toda a arte de Fin DAC é interligada por esse detalhe. Quem depara casualmente com uma obra dele sabe instantaneamente de quem é.
Com apenas 24 anos, Lidia Cao, de La Coruña, é considerada uma das mais importantes artistas urbanas.
Ela prefere cores dessaturadas (raras na arte de rua), e o tema de seu forte trabalho narrativo são as mulheres. Em 2020, no festival de murais Parees, em Oviedo, ela pintou a escritora espanhola do século 20 Dolores Medio, censurada durante o regime de Franco. Lidia a representa diante da máquina de escrever, mas sobre cada ombro esvoaçam abutres, prontos a dilacerar suas palavras.
Em Infância roubada, pintado em 2019 para o festival de arte pública Rexenera, na Galiza, uma menina sombria segura uma casa de passarinho. Nele, uma ave de rapina traz no bico um fósforo fumegante. Lidia nos permite ligar os pontos, mas a imagem trata de abuso e resiliência. “Uso a figura feminina para representar a vida”, diz Lidia, “para contar uma história pessoal além da simples estética”.
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As obras de Lidia podem ser vistas na Espanha, em Portugal, na Suíça e na França.
Xavier Prou começou a carreira quatro décadas atrás cobrindo sua Paris natal com uma infestação de milhões de ratos durante três anos.
Sua inspiração veio dos adolescentes que viu em certo dia de 1981 num pequeno parque atrás de um supermercado. Eles tinham achado pincéis e latas de tinta meio usadas e pintavam seu nome, formas abstratas e rostos sorridentes na parede de um barracão. Isso lembrou a Xavier as marcas das gangues que cobriam os trens do metrô de Nova York. Mas aquilo tinha uma energia mais positiva e brincalhona. “As duas coisas se uniram.”
Mais tarde, ele fez um estêncil simples de rato, arranjou tinta preta em spray e foi para a rua, assinando as obras como “Blek le Rat”. “Eu queria dizer: sim, sua cidade é linda, mas sob seus pés há outra cidade de animais selvagens”, diz Xavier, hoje com 70 anos e ainda pintando.
Ele passou às figuras em tamanho natural. Napoleão foi um dos favoritos, mas distorcido: seguido por ovelhas ou com um capacete de moto. “Não gosto de Napoleão”, diz Xavier. “Ele matou milhões na França. Por isso, eu o deixei ridículo.”
A obra de Xavier lhe causou problemas com a polícia no mundo inteiro, mas ele não se arrepende. “Estamos num ponto de transição nas artes plásticas”, diz ele. “O grafite mudará tudo.”
Com 16 anos, Claudia Walde, de Bautzen, pegou uma lata de tinta spray e escreveu seu nome num muro. “Descobri que é difícil de usar! Mas encontrei pessoas que pensavam como eu. Entrei num mundo cosmopolita e rompi a vida de cidade pequena para criar uma identidade e conquistar respeito com minha competência.” Seu entusiasmo louco pela pintura lhe trouxe o apelido de “The Mad One” (“A louca”), com o tempo abreviado para MadC.
Ela frequentou a escola de artes em Halle e Londres, mas a ruptura veio em 2010, quando recebeu permissão para pintar um muro de quase 700 m² ao longo da linha férrea, entre Halle e Berlim. “Foi difícil, com apenas duas escadas durante quatro meses. Mas pude experimentar técnicas e encontrar meu próprio estilo.” Hoje, ela pinta letras e palavras, abstraídas em cores vivas e camadas translúcidas.
Com 41 anos, MadC recebe encomendas de murais vindas do mundo todo e expõe suas telas em galerias. “Mas a energia das ruas alimenta tudo que faço.”