Confira 10 coisas que os surdos acham desagradáveis no meio digital e saiba como fazer sua parte para diminuir a exclusão digital.
Julia Monsores | 3 de Maio de 2021 às 11:00
Vivemos tempos cada vez mais digitais. As horas gastas em redes sociais aumentaram consideravelmente, sobretudo agora na pandemia, em que as opções de lazer tornaram-se mais restritas. A telemedicina, cada vez mais presente, também já é outra realidade que veio para ficar. No entanto, ainda é possível observar a predominância da exclusão digital para algumas parcelas da sociedades, como as dos surdos.
Leia também: Quem é a artista que interpreta músicas para surdos no Instagram
Pensando nisso, o analista de redes sociais Jorge Rodrigues, de 25 anos, morador de São Paulo, elaborou uma thread no Twitter (uma sequência de tweets) ressaltando 10 coisas que a comunidade surda considera desagradável no meio digital.
“O motivo de eu ter feito essa thread foi querer desmistificar os estereótipos que a sociedade tem das pessoas com deficiência e de ressaltar algumas coisas que acredito que sejam importantes. Eu diria que muitos ficaram surpresos ao saber que a comunidade surda se aceita e não vê problema em ser surda, uma vez que ressignificou isso para uma identidade social. A gente construiu coisas tão grandes, como a comunidade, a língua de sinais, as culturas, costumes e tudo. Então a gente se ama e se valoriza. Queremos que as pessoas com deficiência em geral se valorizem”, explica.
No entanto, apesar dos milhares de compartilhamentos, curtidas e mensagens de apoio, Jorge Rodrigues conta que nem todo mundo viu a sequência de tweets com bons olhos.
“Infelizmente eu recebi muitas mensagens de ódio por conta de uma mensagem da qual falei que a medicina nos vê como algo a ser consertado, e que isso tem um viés eugenista. O que queremos é que as pessoas com deficiência em geral se valorizem. Isso não significa que devamos ignorar e negligenciar estudos/estratégias que melhorem a vida de PcD, pelo contrário, somos a favor. O que não somos a favor é de querer erradicar a deficiência, o que é algo muito difícil de acontecer e, muitas vezes, fazem isso com o intuito de eliminar o que é “ruim”. O ruim é o preconceito e ninguém está eliminando”, explica.
Apesar da vasta produção de podcasts que temos atualmente, que abordam os mais diversos assuntos — como livros, política e música — infelizmente a população surda muitas vezes não consegue ter acesso a eles.
“Passou da hora de ter transcrições em podcasts. Lembro que o @Mamilospod tinha e não sei porque eles deixaram de ter. Seria muito útil para nós, surdos, consumirmos, pois sei que têm diversos podcasts incríveis, como o @PodcastWanda que agregariam muito”, explica.
De acordo com o report da We Are Social e da Hootsuite, o Instagram é a 4ª rede social mais usada no Brasil, com 95 milhões de usuários. No entanto, muitas vezes os surdos não conseguem aproveitar todos os conteúdos dessa rede, pois poucos adicionam legenda em stories e vídeos do IGTV e reels.
“Ainda mais vindo de influenciadores e de celebridades, que têm o propósito de influenciar as pessoas. E, pelo amor de deus, se não tem legenda nos stories, IGTV, reels, pelo menos tenha a decência de inserir a automática disponibilizada (para igtv)”, explica Jorge Rodrigues.
Atualmente, não há opção de inserir legendas automáticas para os stories, apenas para o IGTV. No entanto, alguns aplicativos, como o Clips, que está disponível para a Apple, podem ser utilizados para inserir legendas. Para os vídeos de IGTV, o recurso pode ser feito no próprio Instagram, bastando acionar a opção na aba “Configuração”, em seguida “Conta” e depois “Legendas”.
“Eu comecei a legendar meus stories quando um dia conversando com um surdo ele me alertou sobre! No começo senti um pouco de dificuldade, mas com prática hoje já é super tranquilo!”, comentou um leitor no Twitter.
Assim como ocorre no Instagram, outras redes sociais que também usam vídeos, como é o caso do YouTube, nem sempre são acessíveis aos surdos.
“Vídeos sobre pessoas surdas sem legenda é o que mais tem na Internet. E nem preciso explicar, né?”
Ao ser perguntado se vê a necessidade de que os vídeos tenham intérpretes de sinais e também legendas, Jorge Rodrigues explica que quanto mais recursos houver nesses vídeos, melhor. “Nem todo surdo sabe libras, e nem todo surdo sabe ler. Por isso as duas opções são necessárias, quanto mais recursos houver, melhor”, conclui.
De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem atualmente no Brasil 10 milhões de surdos. Do total, 2,7 milhões não conhecem a língua portuguesa, e se comunicam apenas por uso de LIBRAS.
“Qualquer matéria/vídeo que mostra e enaltece aquelas ferramentas/recursos como luvas que identificam os sinais e traduzem para o ouvinte entender. Isso é, novamente, deixar o trabalho para os surdos e nem querer aprender a língua de sinais. Acho ridículo.”
Perguntado como enxerga o uso de LIBRAS em nosso país, Jorge Rodrigues afirma que ainda é pouco utilizado fora da comunidade.
“Ao meu ver, falta muito para evoluir, uma vez que ninguém usa direito e quando usa, não seguem as diretrizes para fazer corretamente, daí eu me perco todinho. Então estamos bem longe do ideal.”
O capacitismo é o termo usado para definir o preconceito contra pessoas com deficiência (PCD) e neurodivergentes (ND). Muitas vezes disfarçado de brincadeira, elogio ou supervalorização dos feitos, esse tipo de preconceito se manifesta nas redes sociais.
“Mostra o surdo que conquistou as coisas, que combateu dificuldades e tal. Sabe aqueles vídeos de ~superação~? Pois é. A pessoa sempre fica ‘se esse surdo pode, eu posso tudo!’, elucida Jorge Rodrigues.
Atualmente, há alguns aplicativos disponíveis para download no celular que realizam de forma automática a conversão de palavras para a língua de sinais. No entanto, Jorge diz que esses aplicativos não costumam ser assertivos, dificultando ainda mais a comunicação.
“Aqueles aplicativos que você escreve e automaticamente traduzem para a língua de sinais. Como se a gente não soubesse ler em português, não é mais fácil escrever? Fora que esses app são péssimos demais, convenhamos.”
Segundo Jorge Rodrigues, outra coisa que incomoda são os aplicativos de ligação que realizam uma espécie de mediação entre quem liga e quem recebe a ligação, e assim vai traduzindo o que é dito para ambas as partes.
“Estamos no século 21 e acho que passou da hora de todos os espaços disponibilizaram chat (funcional, tá, @nubank?).
“Passou da hora de todos os espaços digitais terem chat funcional. Tem lugares que exigem que você ligue, como o banco, ainda mais em plena pandemia, onde acaba sendo obrigado que a gente se exponha em uma agência física”, explica Jorge Rodrigues.
As videoconferências estão cada vez mais populares. No entanto, essa é outra dificuldade encontrada pelos surdos, uma vez que muitas delas não têm intérpretes ou legendas.
“Outra dificuldade que encontramos são aquelas plataformas de videoconferência sem closed caption/intérprete. Já passou da hora de terem em português, né?”, conclui.