Quem não tomar a vacina da Covid-19 pode ser demitido por justa causa?

Segundo MPT, trabalhador poderá ser demitido por justa causa se recusar vacinação contra Covid-19. Confira o que especialistas têm a dizer.

Samasse Leal | 10 de Fevereiro de 2021 às 18:38

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A recente orientação do Ministério Público do Trabalho e Emprego (MPT) sobre a obrigação da vacina contra Covid-19 deu o que falar. Especialmente porque previu a possibilidade de demissão por justa causa do empregado que se recuse a tomar a vacina. 

Ainda nem existem doses suficientes no país para imunização de todos os trabalhadores contra a Covid-19. Contudo, a obrigação vem sendo cada vez mais imposta aos cidadãos, independente de sua vontade individual.

Segundo MPT, trabalhador não pode recusar vacina

Imagem: Halfpoint/iStock

O sentido dessa imposição é o bem comum, ou seja, da coletividade. Nas normas jurídicas existe um princípio de acordo com o qual o interesse público pode se sobrepor ao interesse pessoal. E justamente esse caso, de pandemia, exemplifica muito bem esse princípio. 

De acordo com o entendimento do MPT, o trabalhador não pode se recusar a se vacinar contra a Covid-19. A menos que tenha uma razão médica documentada, ou seja, um atestado médico contraindicando a vacinação. Se não tiver, poderá ser demitido por justa causa e perder direitos que teria numa dispensa sem justa causa.

Nem mesmo o medo de efeitos colaterais, que podem surgir no futuro, justifica a recusa da vacina. O medo individualmente considerado não pode colocar em risco a saúde dos colegas no ambiente de trabalho.

Nenhuma lei vigente impõe a obrigação das pessoas maiores de 18 anos se vacinarem contra nenhuma doença. Nem mesmo a Covid-19. Apenas o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a obrigatoriedade da vacinação para crianças e adolescentes.

Inclusive, a lei de proteção aos menores prevê a perda do poder familiar dos pais, se constatado abandono dos filhos. Dentre as hipóteses de abandono está a negligência quanto ao programa nacional de vacinação

Mesmo não sendo possível ao Estado obrigar as pessoas a se vacinarem, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a imposição de medidas restritivas.

O Tribunal decidiu que o poder público pode impor restrições a quem se recusar a tomar a vacina contra Covid-19. Até o momento nenhum governo estadual anunciou medidas, que podem ser: multa, impedimento de matrícula em escolas e de ingresso em determinados lugares.

Em seguida, o Ministério Público do Trabalho e Emprego decidiu pela punição máxima ao empregado: a demissão por justa causa.

Será que o Ministério estaria criando uma nova lei?

Como esclareceu a advogada Dra. Noele de A. A. Faeda dos Santos, do escritório Herrlein & Lopes Advogados: “Recentemente o MPT, por meio de Grupo de Trabalho Nacional específico voltado para efeitos da pandemia, editou o Guia Técnico Interno sobre Vacinação da COVID-19. Nesse documento, o MPT trata da ‘compulsoriedade da vacinação’. Sob análise jurídica, indica ser obrigatória a vacinação. Inclusive, haveria possibilidade da dispensa por justa causa do empregado que se recusar a tomar a vacina quando houver chance de imunização.”

A advogada destaca o conteúdo do Guia Técnico: “Conquanto seja um direito subjetivo dos cidadãos, é também um dever, tendo em vista o caráter transindividual desse direito e as interrelações que os cidadãos desenvolvem na vida em sociedade”.

Assim, embora o MPT ressalve que a justa causa não deva ser a medida preferencial, legitima a punição máxima, pois: “o empregador poderá aplicar sanções disciplinares, inclusive a despedida por justa causa, como ultima ratio”.

O órgão regulamenta o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO. Esse programa deve ser obedecido pelas empresas, e o MPT fiscaliza o seu cumprimento. Em caso de desobediências, as empresas podem ser punidas, por exemplo, com aplicação de multas.

A Dra. Amanda Martins, advogada que atua na área de direito do trabalho em SP, comentou sobre o Guia do MPT.  De acordo com a advogada: “Nesse caso, o MPT está zelando pelo interesse e bem-estar coletivo, o que está dentro das suas atribuições.”

Ela destaca que: “O MPT recomenda a inclusão da vacina contra a Covid-19 no PCMSO. Essa medida segue a linha de entendimento do STF quanto à possibilidade de sanção em caso de recusa em tomar a vacina.” 

A Dra. Noele comenta também que o MPT é responsável por fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista em defesa dos interesses coletivos. O órgão deve atuar sempre visando o respeito às leis e ao interesse público. No cenário atual, esse papel se tornou ainda mais evidente e relevante para a prevenção à propagação do vírus no ambiente de trabalho.

No entendimento da Dra. Noele: “O espírito do Guia Técnico é no sentido de empregado e empregador negociarem sobre o tema, em prol da coletividade. Sempre dentro da razoabilidade e conforme as normas legais e sanitárias, em especial as voltadas para higiene e segurança do trabalho. Mas, como dito, o indicativo é o da compulsoriedade da vacina, em respeito à vida e à coletividade. O empregador está legitimado a punir empregados que resistam à vacinação.”

A aplicação de justa causa é medida extrema

Chalirmpoj Pimpisarn/iStock

Para a advogada, “a aplicação de justa causa é medida extrema. Deve ser avaliada na medida exata da gravidade da conduta do trabalhador, sob risco de ser desconsiderada pela Justiça do Trabalho, no futuro.”

Por isso, a recomendação da Dra. Noele é que as empresas devem ser cautelosas, informando e conscientizando seus empregados sobre a segurança que a vacina garante.

“Especialmente dentro do ambiente de trabalho, evitando situações limite que gerem punição e potencial discussão.”

Na opinião da Dra. Amanda, o MPT apenas elaborou orientações para os empregadores, baseadas na preservação dos interesses coletivos.

“Na verdade, não está havendo mudança das hipóteses de justa causa. Como em todas elas, deve haver parcimônia e proporcionalidade, de forma que essa deve ser a última opção, depois de advertências, suspensões e medidas mais brandas. O que acontece é que se a empresa, por questão de segurança coletiva, regulamenta a necessidade de vacinação (no PCMSO por exemplo), a recusa reiterada do funcionário (e a inobservância às demais tentativas de solucionar a questão) pode ser enquadrada como indisciplina. Essa é uma hipótese de justa causa prevista na alínea “h” do art. 482 da CLT. Desta forma, o MPT não estaria editando uma nova lei”.

Por isso, na coluna de hoje, queremos esclarecer que essa medida não pode ser adotada de forma automática e imediata. Ela pode sim ser adotada, mas em último caso, se empregado e empregador não entrarem em consenso.

Por exemplo, se o empregado que recusar a vacina não puder permanecer em home office, sem contato com os demais colegas. Essa seria uma alternativa de possível negociação com o empregador. Às empresas cabe o papel de conscientizar seus colaboradores sobre a necessidade da vacinação em massa.


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