Que a habilidade de meditar traz inúmeros beneficios todos nós sabemos. Mas, sem um clima de templo budista, que tal tentar meditar na cadeira do dentista?
Conheço gente que medita nadando, correndo, transando e de muitas outras maneiras. Até debaixo do chuveiro pode existir um sereno momento de abstração e mente livre.
Sempre achei que era muito fácil meditar no topo de uma montanha no Tibete, num lindo templo no Butão, depois de uma aula de ioga entre amigos. Meditar no silêncio absoluto, na natureza, perto de uma linda cachoeira na paz de um fim de semana. Parecia simples, quase inevitável.
Agora o desafio é outro. Quero ver meditar no meio da correria da agenda cheia, no nervosismo do trânsito, na loucura e pressa do atraso nos horários, na fila do banco, no dia de pagar boleto. Quero ver meditar na Nossa Senhora de Copacabana, na Avenida Rebouças, no túnel parado, no bombardeio de notícias ruins que nos atingem diariamente. Meditar preocupado, exausto, ansioso, confuso, naqueles momentos em que a gente mal consegue acreditar em alguma coisa.
Em resumo: meditar na dura realidade e não num mundo ideal parece impossível.
No entanto, exatamente nessas circunstâncias é que a meditação seria absolutamente necessária.
Foi pensando nisso que me propus a uma prova maior: meditar no dentista.
Como qualquer pessoa normal, detesto ir ao dentista, mesmo que o meu seja um amor de pessoa. Mas a prática dessa profissão sempre me pareceu rudimentar e primitiva. Sentar ali é uma tortura, mesmo que seja só pra limpar os dentes. Fora aquele barulho insuportável do motor.
Dentista é aquele cara que te deixa de boca aberta e conversa com você sabendo que você não pode responder.
Não existe sofrimento, existe um cérebro aflito e um monte de feixes nervosos acionados em estado de alerta.
O sinal tá vermelho, mas o cara vestido de branco transpassa e avança na sua direção com um dos seus aparelhos de massacre na mão.
Você está imóvel e não pode reagir e nem gritar desesperado. E essa tensão aliada ao seu desespero antevê uma dor que ainda nem existe. E o suor percorre a sua espinha dorsal.
Dessa última vez resolvi transmutar e colocar em prática tudo o que sei sobre relaxamento e todas as técnicas de apaziguar a mente e o espírito. Abstrair de qualquer medo, de qualquer dor, desconforto e irritação e sorrir por dentro. Separar o corpo da alma, porque ele sofre, mas ela flutua.
Fiz força pra visualizar a flor de lótus, escutar melodias celestiais, sentir cheiro de grama cortada, de chuva, de café no fim de tarde com bolo de cenoura e chocolate. Apelei pra minha lista de coisas gostosas tentando compensar infinitamente um momento como aquele.
Precisei de um esforço máximo pra me livrar do martírio.
Não, não cheguei a atingir o nirvana, mas pelo menos me distraí o suficiente, ocupada em lembrar coisas que me dessem prazer.
O que eu posso dizer?
Talvez isso baste pra enfrentar alguns momentos que parecem insuportáveis: ter uma lista, uma playlist só sua que funcione como seu mantra particular.
Nas horas difíceis procure coisas simples.
Feche os olhos. Respire. E escolha o seu OM.